Nossa história, que termina nas periferias da cidade de Londrina, no Norte do Paraná, começa em Picos no Piauí e passa por Florestópolis no Paraná. Mas o que duas cidades, há 2.617 km distância, tem a ver com a Ação de Solidariedade do MST?
É o que vamos conferir!
Dona Marta
Marta da Silva, nascida em Picos no Piauí, assim começa a jornada de retirante em busca de sobrevivência e melhores condições de vida. Uma simpática e sorridente senhorinha, mais ou menos sessenta anos de idade, cabelos enroladinhos, parecendo flocos de neve. Mãe, avó, aposentada.
De Picos, ainda na infância, sua família foi tentar a sorte em Juazeiro na Bahia, já na sua adolescência migraram para Recife no Pernambuco. Próxima parada, Betim nas Minas Gerais e de lá, para as Periferias de Londrina: “Trabalhei muito aqui filho, na época era febre vir pra Londrina, vim e gostei. Resolvi ficar. Hoje sou londrinense, pé vermelho de coração, com alma nordestina” (sic).
Florestópolis de Zilda Arns
A pequena cidade de pouco mais de 10 mil habitantes, fincada do Norte do Paraná, é símbolo do que a monocultura e a concentração de terras, provoca com a sociedade e seus moradores.
Ao final da década de 70 e começo de 80, a cidade tinha um Índice de Desenvolvimento Humano dos piores de todo o Brasil, com marcas terríveis de fome, mortalidade e desnutrição, sobretudo infantil.
Nesse contexto, em 1983 – instigados pelas Pastorais Sociais, ligadas à Teologia da Libertação – que a Arquidiocese de Londrina, em consonância com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, surge a “Pastoral da Criança” tendo como grande expoente a médica sanitarista Zilda Arns.
Imediatamente, um projeto piloto, conduzido pela Pastoral da Criança (sobretudo com as “multiplicadoras”) ganhou notoriedade ao fazer trabalho de base principalmente com as famílias em condição de miséria.
A receita era simples: acompanhar o ganho de peso de crianças recém nascidas, garantir qualidade nutricional (principalmente com a famosa “multimistura) e vacinar todas as crianças com o esquema vacinal completo, rigorosamente. A iniciativa logo se popularizou por todo o país, com grande capilaridade nas comunidades católicas.
Zilda Arns, premiada nacional e internacionalmente, faleceu em 12 de Janeiro de 2010, em Missão Humanitária em Porto Princípe no Haiti, quando um terremoto devastou o país, deixando um legado de amor ao próximo e de dedicação às comunidades empobrecidas Brasil a fora.
Acampamento Zilda Arns – Florestópolis
O acampamento Zilda Arns do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), traz alguns elementos históricos e simbólicos na luta pela reforma agrária: o primeiro, de homenagear Zilda Arns, que tanto amou a cidade de Florestópolis, que tornou-se berço da Pastoral da Criança.
O segundo e não menos importante, é a simbologia de hoje ocupar terras – antes improdutivas – que pertenciam ao Grupo Atalla – grandes latifundiários da monocultura da cana, que devastaram tanto com o meio ambiente, quanto com os trabalhadores e trabalhadoras, submetidos a condições precárias de trabalho e como se não bastasse, o grupo consta no seleto grupo de grandes devedores de impostos federais e estaduais.
Hoje o acampamento conta com 120 famílias na luta pela Reforma Agrária, produzindo alimentos sem agrotóxicos, promovendo a agrobiodiversidade, enchendo de vida e esperança, do verbo esperançar, a terra dantes maltratada pelo agronegócio.
E não é só isso. A forte presença do MST em toda a região torna o movimento como referência, formando um cinturão de lutas e territórios de conquistas em Florestópolis, Porecatu e Centenário do Sul, palco da Guerra de Porecatu na década de 50. Zilda Arns, Herdeiros da Luta, Manoel Jacinto, Fidel Castro, Maila Sabrina, são sinônimos de vida, de luta e de resistência do povo organizado.
Ações de Solidariedade: campo e cidade
Em todo o ano de 2023, foram realizadas várias ações de solidariedade, fortalecendo a aliança campo e cidade, envolvendo movimentos sociais, organizações, sindicatos, coletivos da cidade de Londrina, no Acampamento Zilda Arns.
Vale ressaltar que o MST passou por um dos ataques mais mesquinhos de toda a história, com a famigerada “CPI do MST”, proposta por deputados bolsonaristas que terminou sem relatório final, justamente porque não conseguiram provar nenhuma das acusações aventadas.
Numa iniciativa de várias organizações da cidade, realizamos o plantio de horta solidária e do Bosque da Agroecologia, no território sagrado da Reforma Agrária, no acampamento Zilda Arns.
Vivenciou-se de perto a solidariedade no seu sentido mais amplo e pleno. Na sequência, realizou-se o chamado Ato de Colheita e de entrega das hortaliças e legumes nas periferias de Londrina, culminando com mais um plantio, visando a Ação de Solidariedade contra a fome nesse período de Natal.
Cabe-nos a ressalva: em que pese o Brasil hoje ocupar o posto de nona economia do mundo, cerca de 33 milhões de pessoas passam fome ou estão em insegurança alimentar, ou seja, sem o mínimo para garantir pelo menos três refeições ao dia.
História sendo escrita
Lembram de Dona Marta, nossa primeira personagem dessa história?
Pois então, ela foi uma das quase mil famílias beneficiadas com a distribuição de 23 mil quilos de alimentos saudáveis por meio da Ação de Solidariedade do MST, nas Periferias de Londrina. “Estou emocionada filho, minha netinha foi ajudar nos plantios. Se eu fosse mais jovem, ia lá morar na roça. Esse povo é uma benção para a comunidade, estou feliz de verdade de participar dessa ação.” (sic)
As ações de solidariedade ocorreram no Jardim São Jorge, no Flores do Campo e Vista Bela (Zona Norte), Jardim Olímpico (Zona Oeste) e Jardim Franciscato, Perobal e Novo Perobal (Zona Sul).
Se a fundação da Pastoral da Criança, há exatos 40 anos atrás, contribuiu significativamente para o povo de Florestópolis e região, hoje os acampados da região (que um dia foi das mais pobres do Brasil), ajudam e se solidarizam com os empobrecidos das periferias de Londrina, num lindo ato de irmanar-se (tornar-se irmãos), na luta por uma sociedade justa, igualitária, sem fome, com soberania alimentar no campo e na cidade.
É a prova de que a superação da fome no Brasil, passa pela produção de alimentos saudáveis, sem agressões à natureza e, necessariamente, pela Reforma Agrária Popular.
Viva o MST! Viva a aliança camponesa e operária! Vida longa, fraterna e solidária! Toda nossa reverência.
*Assistente Social, comunicador popular e integrante da diretoria do Centro de Direitos Humanos de Londrina
**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato Paraná