Um adolescente, em um dia desses, durante uma discussão sobre feminicídio, disse que ‘esse mundo foi feito pelos homens’. Quando ele disse ‘mundo’, talvez estivesse se referindo à nossa sociedade, e ao falar ‘homem’, poderia ser sobre o homem enquanto ser humano ou a figura masculina que entendemos por homem. Em qualquer uma dessas opções, ele tinha razão. A nossa sociedade, estruturada a partir de uma lógica de dominação e exploração, foi e ainda é interessante ao homem, branco, heterossexual e com capital econômico que, junto às instituições de poder, garantem sua autoridade.
Quando falamos de instituições de poder, estamos falando de Estado, que se estrutura de modo que desproteja e apague vidas que não importam mais para o sistema capitalista, sejam aquelas menos produtivas ou rebeldes. No final das contas, é como se os dominantes pudessem dizer qual vida deve ser vivida.
Recentemente, em Londrina, um adolescente e um jovem foram mortos pela polícia. Foram 15 tiros. 15 tiros de fuzil. Por quê? Quem mandou matar? A mesma pergunta fazemos a todos os incontáveis casos de vidas jovens ceifadas. Vitória Regina, Kelvin Willian, Wender Natan, Carol Campelo, Moïse Kabagambe, Natany Alves, Jhey de Oliveira, Edson Luís, Helenira Resende. Em alguns casos, conseguem encontrar um nome, um executor. Mas por trás destes, no final das contas, o mandante é quase sempre o mesmo: o sistema capitalista-racista-patriarcal, o Estado burguês e a ideologia que produz e reproduz a dominação, desenhando um alvo nas costas de quem tem menos direito de viver que os outros.
Pensar que esse é o “mundo” que os “homens” fizeram é frustrante, mas é também a partir dessa compreensão, de que a história somos nós que fazemos, que cabe a nós transformá-la. É preciso ter esperança. Mas a esperança que Paulo Freire nos ensinou, do verbo esperançar, se levantar, construir e fazer de outro modo. Somos também os protagonistas dessa história.
O legado de nossos camaradas deve seguir vivos em nossa memória e luta. É pelas batalhas que eles travaram antes de nós que podemos, hoje, resistir. Somos muitos, somos a maioria, somos a classe trabalhadora. É ao lado desses que, com muito afeto e garra, devemos buscar dia-a-dia lacear o nó que nos domina, capitalismo-racismo-patriarcado, para que um dia a gente possa desfrutar de um mundo que não nos oprime, domine ou mate. E ainda, para que possamos dizer com orgulho que ‘esse mundo foi feito por nós’.
*Maria Clara Cristovão Radi, assistente social e militante do Levante Popular da Juventude.