O ano de 2025 tem potencial de ser um período marcante para o fortalecimento da garantia de acesso à saúde pública para as populações que vivem em quilombos do Brasil. A expectativa é de que, até o fim do ano, a Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola (Pnasq) esteja concluída, após um processo histórico, que tomou corpo a partir de 2023.
Neste mês de maio, a proposta deve ser apresentada no Seminário Nacional de Saúde Quilombola, que acontece entre os dias 16 e 18 em Alcântara, no Maranhão. Até o fim de março, comunidades de todo o país enviaram sugestões e ideias para o texto, em uma consulta pública que durou 45 dias.
Depois da apresentação no evento, a proposta deve ser votada no Conselho Nacional de Saúde e pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Embora as expectativas sejam positivas, a concretização do processo depende de vontade política.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, Mateus Brito, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirma que a pauta da saúde sempre esteve presente na luta política das populações quilombolas do Brasil.
“Desde a escravização e da colonização, os quilombos surgiram no Brasil, só que os direitos das nossas comunidades só foram reconhecidos em 1988, na Constituição Federal. Ou seja, são 500 anos em que o nosso povo só é reconhecido como cidadão de direito há 35 anos. O restante desse período foi sempre de perseguição, de destruição. A criação da Conaq, entre 1995 e 1996, foi um marco em que afirmamos que, a partir do reconhecimento, precisaríamos de políticas públicas, e o debate da saúde sempre esteve ali.”
Pontos primordiais
A composição da Pnasq recebeu colaborações de comunidades de todo o Brasil. Na conversa com o Repórter SUS, Brito narra os esforços dos territórios para garantir a participação.
“Muitas comunidades têm dificuldade de acesso à internet, fora todo o trâmite burocrático, a linguagem, a forma de se comunicar. Mas nós fizemos uma ampla divulgação nos grupos das comunidades e associações quilombolas e conseguimos, no final das contas, 267 contribuições. Várias comunidades se auto-organizaram para participar da consulta. Teve comunidade que escreveu no papel e enviou foto, algumas sentaram em reunião, discutiram e uma pessoa enviou em nome de toda a comunidade e outras fizeram rodas de conversa, e oficinas.”
A partir dessas sugestões, já é possível levantar alguns pontos que se mostram primordiais para a população quilombola no Brasil. Um deles é a atenção à saúde mental. Dados mostram que 98% das comunidades vivem sob os riscos e a violência dos conflitos fundiários.
“Isso tem impactos na saúde mental”, alerta Mateus Brito. “São conflitos fundiários, conflitos por água, conflitos por requerimentos minerários, especulação imobiliária. Um relatório publicado pela Conaq e pela organização Terra de Direitos mostra que, de 2018 a 2022, 32 lideranças sucumbiram, fora as lideranças que estão ameaçadas. Isso causa implicações”, completa ele.
O enfrentamento à crise climática também aparece como primordial, assim como o reconhecimento dos saberes ancestrais e da medicina popular praticada historicamente pelas comunidades quilombolas. Mateus Brito ressalta a necessidade de que a saúde seja vista de maneira integral.
“Queremos ter acesso ao território, mas queremos estar bem. O conceito de saúde quilombola é o direito de viver o território em comunidade. A comunidade são os vivos e os e os ancestrais e o território somos todos nós, todas as vidas. Não é só ter acesso ao território, é ter acesso a um território saudável, sustentável, em que a comunidade esteja esteja viva.”
Na conversa com o Repórter SUS ele lembra que, desde a promulgação da Constituição, apenas cerca de 500 comunidades tiveram algum tipo de regularização, o que reforça a injustiça secular a que esses povos estão submetidos.
“São 7 mil comunidades quilombolas, segundo o censo do IBGE. Ou seja, se seguirmos esse mesmo ritmo, vamos precisar de mais 2 mil e 700 anos para titular todas as comunidades. Então, o Estado brasileiro tem uma dívida com essas comunidades. É uma dívida histórica. Nossa luta é por reparação e a saúde é um ponto fundamental disso.”