A ministra brasileira da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, afirmou que a atual disputa hegemônica entre Estados Unidos e China pode abrir uma janela de oportunidades para o Brasil e outros países do Sul Global. Em entrevista ao Brasil de Fato, durante a conferência Dilemas da Humanidade: Perspectivas para Transformação Social, em São Paulo, ela sugeriu que momentos de instabilidade no comércio internacional costumam ser propícios para avanços nos países em desenvolvimento.
“Os Estados Unidos estão numa disputa hegemônica com a China, e a China obviamente não aceitou simplesmente fazer negociação com os Estados Unidos a partir dessa tentativa de desestabilizar o comércio internacional. Do ponto de vista dos países do Sul Global, temos que aproveitar esse momento. Os grandes saltos nos países em desenvolvimento foram em momentos como esse”, avaliou.
Dweck acredita que o espaço de troca com representantes mundiais, promovido pelo evento sediado nesta quarta-feira (9) no Sesc Pompeia, é importante justamente para decidir como o Brasil poderá se inserir estrategicamente nessa oportunidade. “Foram vários temas no Dilemas da Humanidade; o mais quente é a reindustrialização. Vou apresentar um pouco o que o Brasil tem feito nessa área, mas ouvir outros países também vai ser super importante para pensar estratégias conjuntas e como lidaremos com essa conjuntura internacional.”
A ministra também destacou a importância do fortalecimento do Estado para enfrentar desafios contemporâneos, como as mudanças climáticas e a desigualdade social e produtiva. “Nosso ministério tem o papel de pensar que tipo de Estado brasileiro vai ser capaz de enfrentar esses desafios e ter protagonismo num projeto de desenvolvimento”, explicou.
Renascimento da política industrial
Primeira participante a falar no painel ‘Política industrial para o desenvolvimento‘, Esther Dweck se aprofundou no que chama de “renascimento das políticas industriais”, movimento global. “Há um renascimento da política industrial ao redor do mundo. No início do primeiro mandato do governo Lula, não se falava abertamente sobre isso. Hoje, já não é uma questão: todos os países estão falando de política industrial”, afirmou.
Segundo a ministra, a pandemia foi um marco nesse processo, ao evidenciar os riscos da concentração produtiva em poucos países. “A pandemia teve um papel importante no sentido de mostrar os riscos de ter concentrações muito grandes em determinados elos da produção, o que gerou um desabastecimento de determinados componentes no mundo inteiro”, apontou. “O risco de uma baixa autonomia produtiva se tornou mais claro naquele momento, inclusive para os países desenvolvidos.”

Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 2023, citado por Dweck mostra que intervenções de política industrial no planeta saltaram de 34, em 2010, para 1.568 em 2022. Outra pesquisa, publicada na revista The World Economy em 2024, indica que 72% das medidas de política industrial foram tomadas pelos países desenvolvidos. A única exceção é o uso de barreiras à importação, mais frequente entre os países em desenvolvimento.
“É bastante sintomático ver os Estados Unidos tentando impor barreiras de importação com menos tarifas, que era o único instrumento que os países em desenvolvimento tinham, porque era o mais simples de se fazer, mas não necessariamente o que dá tanto resultado”, criticou.
A ministra destacou ainda a tradição do Brasil em usar o poder de compra do Estado como ferramenta de desenvolvimento, especialmente por meio das estatais. “A Petrobras foi, durante muito tempo, um motor de desenvolvimento produtivo industrial pelas cadeias de suprimentos da própria Petrobras”.
Nesse contexto, ela criticou as medidas “de destruição” tomadas após 2016, que, segundo Dweck, enfraqueceram a capacidade do Estado de fomentar a indústria nacional. “A primeira coisa que o governo Temer, que se sucede ao golpe da então presidente Dilma, fez foi destruir esse instrumento ou diminuir muito o seu potencial”, disse, referindo-se às privatizações. “Também há a destruição de instrumentos com a discussão de controle local nas construções de petróleo, que afeta a Petrobrás, e a taxa de juros do BNDES, que deixou de ser atrativa ao ser definida do ponto de vista do mercado, ao invés do político”.
Para Dweck, o momento é de disputa global por capacidade produtiva, mas os países em desenvolvimento precisam superar grandes barreiras. “Sabemos muito bem que em termos de capacidade de planejamento, de coordenação de investimentos, de recursos financeiros, é muito desigual a capacidade de enfrentar esse momento”, disse.

O protecionismo dos EUA e as oportunidades do Sul Global
Outro destaque da fala da ministra foi a crítica à política tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump, que retomou a taxação de produtos estrangeiros. “Claramente o objetivo era levar os países a uma negociação bilateral com os Estados Unidos, que é a quebra total do multilateralismo”, analisou. “Com alguns países, essa estratégia está surtindo efeito, mas com o país com quem eles mais queriam que tivesse essa negociação [a China], vai ser o mais difícil.”
Para ela, esse tipo de movimento gera riscos, mas também oportunidades — sobretudo para os países em desenvolvimento que conseguirem formular estratégias de posicionamento geopolítico e reconstruir instrumentos internos de planejamento e financiamento industrial. “Esse fórum é muito importante para rediscutir como países do Sul Global podem se inserir nisso e aproveitar, na minha visão, uma oportunidade que não é fácil de se aproveitar”, concluiu.