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Vera Paiva: Minha mãe saiu da Comissão de Mortos e Desaparecidos por não aguentar o grau de violência dos relatos

Vera Paiva é interpretada pela atriz Valentina Herszage no filme 'Ainda estou aqui'

No final da 5º Caminhada do Silêncio, realizada em São Paulo (SP), no último domingo (6), a professora titular na Universidade de São Paulo (USP) Vera Paiva fez um discurso lembrando de sua mãe, Eunice Paiva, advogada que se tornou mundialmente reconhecida pelo filme Ainda Estou Aqui, que retrata o desaparecimento e morte de seu marido, Rubens Paiva.

“Para mim, essa caminhada é muito, muito, muito relevante, especialmente quando a gente sabe que minha mãe, que participou dessa mesma Comissão de Mortes e Desaparecidos, teve que sair da Comissão”, relembra a fala em entrevista ao Conversa Bem Viver desta quarta-feira (9).

“E por que minha mãe saiu? Porque ela não aguentava ficar escutando as denúncias de tortura e o grau de violência. Especialmente contra as mulheres, mulheres grávidas”.

Vera Paiva tem mais de 40 anos de atuação dentro USP, sendo hoje professora titular no departamento de Psicologia da Universidade, com uma atuação de décadas voltada à atenção de pessoas com Aids.

Na entrevista, ela traz mais memórias da mãe, comenta sobre o impacto de Ainda Estou Aqui e como o filme é fidedigno à realidade, tanto de sua família quanto do que de fato aconteceu nos anos de chumbo no Brasil.

No entanto, ela faz uma ressalva.

“O filme é bem fiel, mas não mostra exatamente tudo.”

Ao final da conversa, Vera Paiva também comenta a ação de Donald Trump de cortar quase todos os investimentos que os Estados Unidos transferiam à agência das Nações Unidas (ONU) de apoio às pessoas infectadas com Aids, a UNAID.

Confira a entrevista na íntegra

Como você viu mais uma manifestação de Jair Bolsonaro pedindo anistia?

É uma anistia por um crime que ainda não foi nem julgado, né? Eles estão fora, ficam exilados fora do país dizendo que estão sendo perseguidos, ficam denunciando que a prisão é política, quando na verdade a gente tem uma coleção de crimes registradíssimos, não só contra o Estado Democrático de Direito, que é o que está em julgamento agora, mas sobre o caso das joias.

Ao mesmo tempo em que acontecia o ato na avenida Paulista, não muito longe dali, também em São Paulo, ocorria também a 5º Caminhada do Silêncio cobrando justiça pelos crimes cometidos na ditadura. Como foi?

Nessa caminhada eu não estava só como participante. Eu sou membra da Comissão Especial de Mortos Desaparecidos Políticos, que é uma comissão instalada pelo governo Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990 para que se investigasse as condições de assassinato políticos dos mortos já enumerados nos cárceres escondidos dentro das delegacias, como é o caso desse do DOI-Codi.

A gente começou a Marcha em 2018, para que não se esqueça dessas mortes e para nunca mais acontecerem, especialmente na instalação de um governo que já assumiu defendendo a tortura.

Vamos lembrar que ele [Jair Bolsonaro] disse que deveriam ter sido mais de 30 mil [mortos] e não apenas aqueles que a gente conseguiu contar.

O então presidente Bolsonaro, que trata a divergência política como sendo motivo para eliminar quem diverge deles, desse grupo político, e que ao mesmo tempo sai correndo na primeira ameaça de julgamento.

E vamos combinar, ninguém foi torturado. Foram presos em flagrante destruindo patrimônio público.

Quantos de nós fomos presos sem mandado, torturados, como foi o caso do meu pai e vários outros e que nunca mais saíram dos cárceres? Então, é interessante comparar as duas reações.

Te chamou a atenção o fato das duas manifestações terem acontecido no mesmo dia?

O que mais me impressionou foi a cobertura da imprensa das duas coisas. Eu tive um debate com o pessoal do Globo News que vive dizendo que não tem jovem participando dos nossos atos, que nada acontece.

É um escândalo, porque na verdade nós estamos manifestando desde sempre. O Ele Não, por exemplo, que você deve lembrar, foi uma manifestação gigantesca nacional às vésperas da eleição, foi a primeira vez que a gente teve contato mais radical com a fábrica de fake news.

Então, para mim, essa caminhada é muito, muito, muito relevante.

Especialmente quando a gente sabe que minha mãe, que participou dessa mesma Comissão de Mortes e Desaparecidos, teve que sair da Comissão. E por que minha mãe saiu?

Porque ela não aguentava ficar escutando as denúncias de tortura e o grau de violência. Especialmente contra as mulheres, mulheres grávidas.

A gente esteve em Recife esses dias para inaugurar o busto da Soledad [Barret], que era uma desaparecida, cujo corpo depois foi entregue para a família. E para vocês terem ideia do grau de perversidade, foi entregue com o feto saindo pela vagina.

O grau de violência, especialmente contra as mulheres, é assustador e a gente não pode esquecer.

É isso que a minha mãe lia e achava horrível. Porque ela esteve lá, nos locais de tortura, vocês viram no filme. O filme é bem fiel, mas não mostra exatamente tudo.

Eu acho que ao assistir o filme as pessoas imaginam o que pode estar acontecendo. Ali, sangue no chão são indícios muito delicados.

Isso é uma vantagem do filme e é uma das qualidades artísticas do filme, ter feito isso com delicadeza e não falar isso que eu estou falando para vocês tão cruamente que aconteceu no mesmo lugar onde a minha mãe esteve.

Uma imagem que ficou pra sempre na minha memória é de quando íamos à missa, depois da morte do meu pai. No momento do Pai Nosso, minha mãe sempre se levantava e acabava gritando na missa: “Meu marido morreu torturado como meu Cristinho morreu na cruz”.

Essa era a associação que a minha mãe fazia. Não tá errada, né?

Você tem décadas de atuação voltada à população com Aids. Como a senhora avalia essa ação do presidente dos EUA de fazer um corte quase total no apoio do país à agência da ONU que atua na prevenção e cuidado de pessoas que convivem com a infecção por HIV, a USAid.

A dimensão é gigantesca, tá certo? É gigantesca. Porque na verdade é um conjunto de financiamentos que passam pelo governo, mas não são só do governo. Como aqui, tem fundos privados, tem pessoas que doam, mas que passam por uma ação internacional do governo.

É um escândalo o que vai acontecer. A extrema direita pune exatamente quem não está de acordo com a interpretação do cristianismo deles.

Mas é importante enfatizar que é a visão deles, porque temos muitas outras. Como é o caso do padre Julio [Lancelotti] aqui em São Paulo.

O padre Julio fundou a primeira Casa de Apoio para crianças abandonadas com Aids nos hospitais. Eu conheço o padre Julio desde o início da epidemia de Aids.

Esse é o meu trabalho, da minha área mesmo, que é psicossocial, é educativo, é acolhimento, eu não vou sair acusando as pessoas, eu entendo o medo, acolho, interpreto e humanizo.

Enfim, essa ação [do Trump] é perversa, é psicopata na minha opinião. Essa gente que sai decidindo quem vive e quem morre e tira o respirador de milhares de pessoas, em particular na África, na Ásia também, no Vietnã, por exemplo, onde os norte-americanos fizeram uma destruição absurda naquela região da Indochina.

Acho perverso. É na mesma linha do nosso ex-presidente que acha que tem o direito de dizer que tinha que morrer mais 30 mil, e depois sai correndo na primeira ameaça.

https://open.spotify.com/episode/5oD5XJyI8d0tAuFd2KkwUZ

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