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Conselho Federal de Medicina (CFM): problemas éticos em questão

É fundamental o realinhamento com a ciência, priorizando o fortalecimento das políticas públicas de saúde

Por Marcos Aurélio Trindade

A atuação do Conselho Federal de Medicina (CFM) tem gerado crescente preocupação e descrédito internacional, principalmente no que se refere ao compromisso da entidade com a ciência e os direitos humanos.

Como pesquisador na área de bioética e saúde global, venho acompanhando atentamente as decisões do CFM e seus impactos para a sociedade.

A defesa do “tratamento precoce” contra a covid-19, por exemplo, ignorou as diretrizes de instituições internacionais renomadas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que desaconselharam fortemente o uso de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, devido à sua ineficácia. Ao sustentar essa abordagem, o CFM deslustrou a segurança da população e enfraqueceu a credibilidade da ciência e da medicina brasileira.

O viés ideológico adotado pelo Conselho, especialmente durante o governo bolsonarista, evidenciou um descompromisso com os direitos humanos e a saúde pública.

O alinhamento político da entidade limitou a pluralidade de pensamento, tornando a regulação da prática médica refém de interesses que nem sempre correspondem às melhores evidências científicas. Esta realidade fica ainda mais evidente quando analisamos o processo eleitoral das representações regionais do CFM de 2024, que reforçou a tendência de uma visão política voltada para o mercantilismo da medicina e o distanciamento dos princípios éticos da profissão.

A negligência da entidade em relação à proteção da população e aos direitos dos pacientes é preocupante.

Em tempos de crise sanitária, é essencial que as decisões sejam tomadas com base em evidências, humildade e compromisso com a saúde coletiva. No entanto, o CFM tem se afastado dessa responsabilidade, o que torna urgente a necessidade de repensar seu papel e sua estrutura. É fundamental que as instituições médicas se realinhem com a ciência e com as reais necessidades da sociedade, priorizando o fortalecimento das políticas públicas de saúde e o respeito aos direitos humanos.

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As eleições do CFM em 2024 intensificaram essa preocupação, pois a nova composição das representações regionais reflete uma visão ultraneoliberal e majoritariamente alinhada ao bolsonarismo.

Esse direcionamento tem fortalecido a pejotização da prática médica, transformando profissionais em prestadores de serviço, em vez de empregados, comprometendo direitos trabalhistas e fragilizando as relações de trabalho. Esse modelo mercantilista afasta a medicina de seu caráter humanitário e compromete a qualidade do atendimento, especialmente no Sistema Único de Saúde (SUS).

CFM: problemas éticos e perseguição ideológica

Outro aspecto preocupante é a perseguição sofrida por profissionais que se posicionam contra essa política do CFM. Médicas sanitaristas têm sido alvo de retaliação por defenderem uma abordagem baseada na ciência e nos direitos humanos. Essa intimidação não apenas desestimula o debate crítico, mas também compromete a evolução das políticas de saúde no país.

Diante desse cenário, reafirmo a importância de lutar por uma regulamentação médica pautada na ciência e no compromisso social. A medicina deve servir à população e não a interesses políticos ou econômicos.

É necessário defender medidas que protejam os profissionais da saúde da perseguição ideológica e garantam que o CFM cumpra seu verdadeiro papel: promover a ética, a ciência e o bem-estar da sociedade. Somente assim poderemos recuperar a confiança na entidade e garantir que a prática médica no Brasil volte a ser pautada pelo compromisso com a vida e a dignidade humana.

Apesar de uma mudança radical no processo eleitoral com a chegada de um novo governo, o atual chefe executivo descumpriu diversas promessas de campanha relacionadas à saúde e à administração pública, como a implementação de uma formação adequada para aqueles que desejam exercer a medicina no Brasil, especialmente para os que estudam no exterior. Infelizmente, o governo continua submisso às políticas do CFM, que seguem sem progresso e sem as mudanças significativas que o país e a sociedade tanto necessitam.

Marcos Aurélio Trindade é formado em filosofia e teologia, psicólogo clínico pela PUC-MG, especialista em saúde mental e psicanálise, mestre em Bioética e pesquisador em Saúde Global pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), mestrando em Antropologia Social pela Universidade de Buenos Aires, pesquisador e professor universitário, e estudante de medicina pela Universidade Nove de Julho.

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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato

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