No dia 12 de janeiro deste ano, chuvas torrenciais desencadearam uma das maiores tragédias recentes no Vale do Aço. Em Ipatinga, dez pessoas morreram soterradas, cinco delas de uma mesma família no bairro Bethânia. Três meses depois, os sobreviventes enfrentam um novo drama: o abandono pelo poder público.
A Defesa Civil municipal estima que 2.329 pessoas ainda estão desalojadas. Ao todo, 783 casas permanecem interditadas por risco de desabamento. O órgão informou que, até o momento, há 61 imóveis condenados, e que estão sendo pleiteados recursos para demolição.
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No entanto, para além dos números, o que se revela é um cenário de desassistência, descaso e violações que beiram a crueldade, relatam as vítimas. A reportagem do Brasil de Fato MG ouviu vítimas e autoridades e analisou depoimentos que expõem a negligência da gestão do prefeito Gustavo Nunes (PL).
“Chutaram todos do abrigo para rua como animais”
Andréia Cristina, uma das sobreviventes, descreve o tratamento recebido nos abrigos municipais como desumano. “A experiência no abrigo foi péssima. Os responsáveis negavam água, a comida vinha estragada, carne fedorenta, até com ovo de mosquito”, relata.
Ela conta que, após manifestar contra as condições, foi detida pela polícia junto a outras quatro pessoas. “Nos levaram presos como se fôssemos bandidos”, desabafa.
Thamiris Silva, que perdeu a casa, também lamenta a experiência que tiveram durante a estadia no abrigo da prefeitura. “Depois de passar um sufoco no local, achei uma ruindade o que fizeram com as famílias. Chutaram todos do abrigo para a rua como se fôssemos animais.”
Procurada para esclarecer as denúncias apresentadas pelos atingidos das chuvas, a prefeitura não se pronunciou.
Auxílio insuficiente e falta de transparência
O auxílio emergencial e o aluguel social, que deveriam garantir um recomeço, são alvos de críticas. A vereadora Cida Lima (PT) denuncia a falta de transparência na distribuição dos recursos. “Algumas famílias receberam só o auxílio aluguel, outras só o emergencial. E o valor de R$ 600 não cobre o aluguel em Ipatinga”, explica.
“Não há critério, nem transparência. Muitas estão voltando para casas interditadas porque não têm para onde ir. É uma tragédia anunciada”, denuncia Lima.
Andreia Cristina relata o desespero de quem tenta se reerguer sem apoio. “Estou no aluguel, dormindo no chão com meus filhos. Enquanto a tragédia estava na TV, fingiram ajudar. Depois, nos abandonaram”, critica.
A vereadora aponta que a tragédia poderia ter sido mitigada se a prefeitura tivesse cumprido o seu papel. Segundo ela, na década de 1990, Ipatinga investiu em contenção de encostas e urbanização. Mas, desde então, as políticas preventivas foram abandonadas.
Para ela, o Plano Diretor seria essencial para identificar áreas de risco, mas a gestão de Gustavo Nunes atrapalhou o processo. “Havia recursos, mas houve denúncias de superfaturamento e o processo travou na Justiça”, revela. “Se houvesse manutenção nas encostas, muitas mortes poderiam ter sido evitadas”, critica Lima.
Thamiris Silva conta que perdeu as esperanças e diz que vai tentar refazer a vida com os próprios braços. “Esperar da prefeitura para poder me ajudar vai demorar e eu tenho uma família, tenho os meus filhos”, lamenta.
Propostas ignoradas: Executivo nega diálogo
Cida Lima explicou que os movimentos populares e o seu mandato vêm fazendo ações para mitigar os estragos da tragédia. Ela conta que apresentou projetos, porém vem sendo ignorada pela prefeitura.
“Nós enviamos várias propostas e as principais são: o auxílio emergencial deve ser mensal e durar até a recuperação das famílias atingidas, ou seja, pelo menos um período de 6 meses que é o tempo do decreto calamidade que a prefeitura lançou.”
Muitas famílias estão voltando para casas interditadas porque não têm para onde ir
Ela explica que, atualmente, a prefeitura está oferecendo para algumas famílias uma parcela única de um salário mínimo. “A nossa proposta é que sejam pelo menos seis parcelas no valor de um salário mínimo. E que, além disso, não seja somente um salário mínimo por família. É um salário emergencial, por adulto, mais 25% por criança e R$ 700 para cesta básica.”
Outra proposta encaminhada ao Executivo pela parlamentar é o pagamento em parcela única de uma quantia de aproximadamente R$ 10 mil para comprar móveis perdidos, como geladeira, fogão, camas e máquina de lavar.
Segundo a parlamentar, isso seria o que a família precisa receber para poder começar a sua reconstrução.
Repasse do governo federal
Ainda em janeiro, após a tragédia, a prefeitura decretou estado de calamidade pública. O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional autorizou o repasse de R$ 2,2 milhões para ações de Defesa Civil em Ipatinga. A portaria foi publicada no Diário Oficial.
O documento diz ainda que a prefeitura de Ipatinga tem o prazo de 180 dias para execução de ações de respostas à tragédia.
No entanto, Cida Lima acredita que os valores repassados pelo governo federal não foram bem empregados, pois não há notícias de obras no município para evitar novas tragédias ou reparar os danos, e as famílias continuam desassistidas, sem receber os valores do auxílio.
A parlamentar disse ainda que aguarda o prazo se encerrar para acompanhar os gastos, já que a gestão de Gustavo Nunes não apresenta informações oficiais.
“É um claro descumprimento da lei 12.527, de acesso à informação. E o governo não se posiciona formalmente em relação a isso por falta de responsabilidade. As informações que eu sei são aquelas que eu obtive com as famílias. Então, como é que a gente vai acreditar que os valores foram bem empregados, se as pessoas estão sem os recursos?”, critica.
O outro lado
Procurada pelo Brasil de Fato MG para esclarecimento das denúncias apresentadas, a prefeitura de Ipatinga não se pronunciou até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.