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Território, saúde e educação são pautas importantes para os povos originários neste Abril Indígena

Mês também é marcado pela realização do Acampamento Terra Livre, maior Assembleia dos Povos Indígenas do Brasil

Estamos no Abril Indígena, período em que as pautas da população indígena ganham ainda mais força e notoriedade. Além disso, o mês também é marcado pela realização do Acampamento Terra Livre, maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, que acontece anualmente desde 2004, em Brasília. Mas o que ainda há para avançar em relação à educação, saúde e direitos da população indígena no Ceará? Qual a importância do Abril Indígena para as lutas dessa população? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Simone Isú-Kariri, presidenta da Associação Indígena Isú-Kariri e diretora da Escola Indígena de Tempo Integral Isú-Kariri e Will Kurruira, coordenador da Articulação de Professores Indígenas Isú-Kariri.

Confira a entrevista

Brasil de Fato: O que é o Abril Indígena?

Will Kurruira: O Abril Indígena é um momento que se consolidou a partir da data de 19 de abril como sendo o mês de confluência de todas as ações do movimento indígena, de todos os territórios para trazer para a sociedade toda a nossa história, reescrever a história do Brasil e demandar direitos que há quatro, cinco séculos estão sendo atropelados.

Simone Isú-Kariri: Esse Abril Indígena pra gente, como o Will falou, é um período também que a gente mostra para a sociedade a nossa cultura, o nosso fortalecimento, a nossa ancestralidade. É um momento onde muitos têm esse conhecimento sobre nós, povos indígenas.

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Quais as principais pautas de luta dos povos indígenas no Ceará?

Simone Isú-Kariri: As principais pautas são a questão territorial, a questão da saúde, da nossa saúde dentro dos nossos territórios, a questão da educação, porque para nós, todos nós, não só o meu povo, mas todos os outros parentes, essa questão da educação também é muito importante, a luta das escolas, professores e todo esse contexto.

Will Kurruira: A realidade dos povos indígenas do Ceará não é muito diferente dos outros estados. Desde 1500 a gente vive um processo de guerra, de conflitos, que vai se ressignificando por diferentes estratégias dos dois lados porque nós, povos indígenas, também vamos buscando outras estratégias, dominando instrumentos de tecnologia dos não-indígenas nesse enfrentamento.

A gente precisa avançar muito na consolidação dos nossos direitos, da Constituição, e mais do que isso, hoje nós estamos tendo que ser resistência contra a retirada dos nossos direitos da Constituição, haja vista a discussão sobre o marco temporal, uma discussão que avançou e avança no Congresso Nacional e que é uma lei genocida. Aqui no Ceará, a luta não é diferente. A gente tem poucas terras homologadas, uma ou duas terras homologadas. Temos apenas seis terras demarcadas e que estão ainda distantes de serem homologadas. A luta aqui não é fácil. É dia a dia no território, é dia a dia fora do território.

De acordo com informações divulgadas pelo governo do estado do Ceará, a rede estadual de educação conta, atualmente, com 43 escolas indígenas. Fala um pouco sobre a realidade da educação escolar indígena no Ceará. Quais as maiores conquistas e desafios?

Will Kurruira: Reconquistar o direito de educar nossas crianças, nossos jovens, dentro e fora da escola é também uma demanda fundamental dentro dos nossos territórios. É importante dizer que a escola sempre foi um instrumento e é um instrumento de apagamento da nossa história, principalmente, fora dos territórios, mas que os povos indígenas do Ceará têm feito essa reconquista, essa retomada dos espaços escolares, isso através da organização política. Hoje a gente tem uma Organização de Professores Indígenas do Estado do Ceará muito organizada, com lideranças, com propostas, com projeto de educação escolar muito bem definido e que tem feito a gente avançar.

Dizer que a gente tem um bom diálogo dentro do governo do estado, dentro da Seduc, mas as demandas são tão grandes em termos de infraestrutura, de material didático, de produção de material didático específico e diferenciado.

Simone Isú-Kariri: Aqui no nosso território a gente tem o infantil e temos o fundamental do 1º ao 6º ano, o que a gente precisa é atender as outras crianças também, do fundamental até o 9º ano. A gente também luta para que tenhamos, no futuro, o 1º, o 2º, e a questão da parte científica, que a gente também precisa ter dentro dos territórios. A gente não quer só ter o fundamental, mas a gente também quer ter essas outras áreas e também a universidade indígena. Todos nós lutamos por ela, que é fundamental em nossas vidas para que possamos nos formar e possamos, também, nessas instituições, manter nossa cultura, que é o que a gente tem grande dificuldade.

Escola Indígena de Tempo Integral Isú-Kariri. Foto: Universidade Federal do Ceará (UFC)

E sobre saúde? Como andam as políticas voltadas para a saúde da população indígena no Ceará?

Simone Isú-Kariri: Para o nosso território, por exemplo, a gente ainda não foi alcançado, posso dizer. Agora, falando de um modo geral, no Ceará, aqui na região do Cariri tem algumas pontuações como a questão das vacinas, que a população indígena tem direito de tomar, e também tem outras aldeias que a gente conhece que também são atendidas por essa parte da saúde indígena, a questão de médicos, postos de saúde específicos.

Mas quando a gente fala de saúde indígena não é somente a questão de médico, do posto de saúde, é um complemento que a gente tem direito, que a gente luta, claro, mas que é também as nossas ciências, que são utilizadas dentro das aldeias, isso é saúde indígena também. A gente não é atendido por essa parte, no caso, a nossa aldeia, mas a gente cuida sim da nossa saúde indígena pela nossa cultura, nossas plantas medicinais, com nossos saberes que veio dos nossos ancestrais passado de geração para geração.

A gente tem esse cuidado com o corpo, a gente se trata da nossa forma, mas há essa luta também para que a gente possa conseguir um posto de saúde, um médico, um enfermeiro, porque também é necessário. Eu acredito que as duas partes são necessárias.

Will Kurruira: Quando a gente fala de saúde indígena, como a Simone falou, é também a gente possibilitar a integração da medicina tradicional, dos nossos conhecimentos, com a saúde, com a medicina ocidental. A gente só vai ter uma saúde indígena completa quando a gente tiver uma universidade indígena formando médicos que consigam integrar esse conhecimento do território com a ciência ocidental que é sim importante.

O que já avançou sobre essa pauta das demarcações no estado do Ceará? Como está essa realidade atualmente?

Will Kurruira: Demarcação de terra no Brasil está ameaçada. O marco temporal é inconstitucional, e hoje a gente tem um Congresso que é anti-indígena. A gente precisa se mobilizar, e o movimento indígena está mobilizado. No Ceará a gente avança também a passos lentos, infelizmente, mas agora a gente tem dado passos importantes, embora lentos, haja vista a diversidade de terras indígenas no Ceará. A gente tem mais de duas dezenas de terras tradicionais. É muito importante as ações que o governo do estado tem feito.

No ano passado a gente teve o compromisso e a execução da demarcação de quatro terras indígenas, totalizando agora seis terras indígenas oficialmente demarcadas, mas que a gente ainda precisa avançar na homologação dessas terras que é, realmente, a garantia, a oficialização do direito dessas terras.

Há uma fala importante na Assembleia dos Povos Indígenas do Ceará, do governador Elmano, que ele disse que espera terminar seu mandato com um contexto em que todos os povos indígenas tenham pelo menos um espaço, um território para poder estar, viver, e isso é uma promessa do Elmano, mas é uma promessa ainda que difere do processo de demarcação e homologação que é o direito, esse é um processo de assentamento.

Acampamento Terra Livre é a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, que acontece anualmente desde 2004, em Brasília. Foto: MPI – ASCOM / Mre Gavião

De 7 a 12 de Abril aconteceu a 21ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília. O que é essa ação e qual a sua importância?

Simone Isú-Kariri: O Acampamento Terra Livre, para nós, povos indígena, é muito importante porque é a maior mobilização dos povos indígenas. É onde a gente fortalece as nossas lutas, as nossas organizações, é um legado dos nossos ancestrais e isso vai passando de geração em geração. É um espaço de luta, um espaço onde a gente pode reivindicar os nossos direitos. Estar nesse espaço é um momento único em que podemos mostrar nossa cultura e falar por nós, falar pelo nosso povo, dizer que a gente sempre esteve aqui, desde sempre e que a gente está nessa luta.

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