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Um plebiscito popular para defender o povo brasileiro

“O plebiscito leva o povo a dizer com voz própria que não aceita a superexploração que a burguesia impõe”, diz Alcântara

As frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, que organizam um grande conjunto de partidos de esquerda e movimentos sociais, lançaram uma iniciativa muito importante para a disputa de maioria social em torno de pautas caras à classe trabalhadora.

Trata-se da campanha pelo Plebiscito Popular, que buscará mobilizar a sociedade em defesa da redução da jornada do trabalho, do fim da escala 6×1 e da tributação dos ricos, o que pode garantir, entre outras coisas, a isenção do imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5mil.

A ideia é debater esses temas com o povo e colher o máximo de votos possível para fazer a vontade popular incidir sobre cada um desses problemas. Isso significa tirar o povo da solidão e pautar os poderes constituídos, que sempre ficam soltos em Brasília fazendo o que querem.

Ao final dessa jornada, que deve acontecer em setembro deste ano, será entregue ao presidente da República e ao Congresso a posição, assinalada por milhões de brasileiros, sobre todos esses temas.

Mas, o que é um plebiscito? Esse termo remete à República Romana, milhares de anos atrás. Após intensa luta contra os patricios – classe dominante – a plebe conquistou o direito de eleger seus magistrados, o que lhe garantia interferência sobre as decisões tomadas no Senado romano. “Plebe” era uma expressão com marcado recorte de classe, usada para se referir às classes populares. Plebiscito, portanto, era uma decisão tomada pela plebe, que deveria ser acatada.

Aliás, o significado de “plebe” se aproxima bastante do de “demos”, em Atenas, especialmente a partir do século 5 a.C., quando ocorreu a revolução democrática. “Demos”, naquele período, não significava “povo” em sentido genérico, mas sim a “multidão pobre” – ou, mal comparando com o nosso português, o “povão”.

Muito embora a democracia grega excluísse mulheres e escravizados, trouxe a novidade de incluir nas decisões homens pobres sem propriedade: pequenos camponeses, diaristas, artesãos. Democracia, portanto, sempre teve um recorte de classe nítido.

A democracia e institutos como o plebiscito nas repúblicas democráticas têm uma relação visceral com o empoderamento da maioria social, pobre, na tomada de decisões, além de guardarem estreita relação com a ofensiva popular contra poderes constituídos degenerados por oligarquias.

Em minha trajetória acadêmica tenho me dedicado a esse estudo, insistindo na identidade de classe da democracia desde seu surgimento até sua recuperação na modernidade, com sua ampliação a partir da luta do jacobinismo, dos movimentos socialistas, das mulheres e dos negros, em batalha contra o liberalismo.

A mal chamada “democracia liberal” criou entraves institucionais, presentes até hoje, para dificultar ao máximo a participação da “plebe” nas decisões sobre propriedade e distribuição de riqueza. Essas travas agora são insuficientes para a oligarquia neoliberal, radicalizada do século 21, que quer se livrar da própria “democracia liberal” por inteira. Mas esse pode ser o tema para outro texto aqui no BdF.

Por ora, nos interessa saber que o plebiscito é esse instrumento do povo que deseja interferir nas decisões do poder político e estabelecer, por si mesmo, uma decisão que será favorável à maioria. É a expressão direta da soberania popular. Se diferencia do referendo, em nossa legislação, por ser de iniciativa popular anterior ao estabelecimento de uma lei, enquanto o referendo é a avaliação, por parte do povo, de uma lei já elaborada pelos representantes.

A tática de um plebiscito sobre temas centrais da agenda popular do Brasil hoje é acertadíssima, pois levará o povo a dizer com sua própria voz que não aceita a superexploração que a burguesia brasileira lhe impõe, frente a um Congresso corrupto e distante de seus anseios.

Além disso, tira das cordas as forças políticas do campo popular, organizando uma ofensiva que tenta pautar a agenda do país e dialogar com a população, disputando a maioria social. É assim que moveremos a correlação de forças.

Os quatro pontos escolhidos são fundamentais: redução da jornada de trabalho, fim da escala 6×1, tributação dos ricos e isenção no imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Vamos a cada um deles.

Por que reduzir a jornada de trabalho? Esse é um tema antigo. Nos debates sobre a Constituição de 1988 o então deputado Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos que mais defendeu a redução da jornada semanal de 44 horas para 40 horas na Constituição.

Trata-se de um tema central para a classe trabalhadora, que não pode ser consumida como máquina pelo mercado de trabalho, enquanto perde sua vida entregando-a, sem limites, ao patrão e à empresa para que trabalha. Esse tema ganhou mais complexidade com o advento da tecnologia, que rompe os limites de espaço e tempo e faz todos nós trabalharmos sempre.

Deriva daí a luta contra a escala 6×1 – representação máxima da jornada de trabalho extenuante e desumana – cuja massificação atual se deu a partir do movimento VAT e do projeto de lei da deputada Erika Hilton (Psol-SP).

Essa escala escraviza o trabalhador, obrigando-o a trabalhar 6 dias da semana, mais de 8 horas por dia. As pessoas são convertidas em “coisas”, que não têm direito ao lazer, à convivência com a família e aos estudos. Não tem direito a nada, além de trabalhar, na esmagadora maioria das vezes por um salário pequeno.

Esse regime de trabalho é inadmissível, cruel e precisa ser combatido com firmeza por todos os setores do campo popular e pela maioria da sociedade brasileira. O lucro do patrão não é um valor maior que a vida digna do trabalhador.

A liberdade de mercado jamais pode se sobrepor ao direito à existência digna e ao exercício pleno da liberdade das pessoas, o que inclui ter tempo para si próprio e para os seus. Essa é também uma luta por liberdade, contra os liberais.

A redução da jornada e o fim da escala 6×1 são amplamente defendidas pelo povo. Qualquer pesquisa aponta essas questões como preocupações centrais da maioria dos brasileiros e brasileiras, explorados e mal remunerados, em sua maioria. Levá-las a um plebiscito significa convidar o povo a se organizar contra isso e pressionar os poderes estabelecidos a ouvirem o clamor popular.

Os outros pontos são a tributação dos ricos e a isenção do imposto de renda. Ora, a tributação no Brasil é algo completamente injusto. Aqui os pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos. Segundo dados da Receita Federal, um professor, por exemplo, paga em média 10% de imposto de renda, enquanto uma pessoa que acumula R$ 2,7 milhões ao ano paga 6%. É uma imoralidade. Precisamos lutar para que os ricos paguem mais e os pobres paguem menos.

Nesse sentido, o governo Lula enviou ao Congresso uma proposta de isenção do pagamento de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Pela proposta do governo, quem arcará com os custos serão os mais ricos, que terão suas alíquotas elevadas para cobrir o custo da isenção aos trabalhadores.

“Trabalhadores” sim, pois quem ganha entre R$ 2.800 e R$ 5 mil é trabalhador e não goza dos confortos da classe média tradicional. Trata-se da famosa “classe C”, em parte seduzida pelo bolsonarismo nos últimos anos e por ele orientada a odiar os mais pobres. É um importante aceno do governo para essa camada da classe popular, convidando-a a relembrar seu lugar de classe.

A proposta de isenção e tributação dos ricos é acertadíssima. Se aprovada, irá promover uma mudança estrutural na tributação de renda no país. Será uma verdadeira reforma estrutural. Mas, assim como todas as outras medidas que mencionamos, precisa de mobilização e pressão popular para ser aprovada.

O plebiscito popular, portanto, é a grande novidade política da esquerda brasileira neste ano. Propõe a discussão real de temas concretos junto à classe trabalhadora, com ímpeto, com metodologia e objetivos bem definidos.

Surge uma oportunidade de disputarmos a agenda do país, elevarmos a consciência de classe e apresentarmos milhões de assinaturas do povo em defesa da maioria dos brasileiros, pautando o governo e o Congresso. É dever de todos nós fortalecermos essa iniciativa e nos somarmos a ela.

Em breve deverá começar a organização dos núcleos que buscarão discutir esses temas com o povo e colher apoio em todos os lugares: no trabalho, no bairro, na igreja, nas universidades.

É papel do PT e todos os partidos, suas direções municipais, estaduais e suas militâncias se organizarem para fortalecer essa iniciativa, mobilizarem a coleta de votos e ajudarem na disputa de ideias.

Que venha o plebiscito popular! Que a soberania popular erga sua voz. E que o povo vença essa batalha.

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