Com ondas de calor cada vez mais intensas no Brasil, uma das preocupações é com a saúde dos estudantes e trabalhadores da educação. No início deste ano, o Rio Grande do Sul enfrentou semanas seguidas de altas temperaturas, que em algumas cidades ficaram acima dos 40 graus. O que levantou o debate sobre a precariedade da estrutura das escolas.
Na rede pública estadual, somente uma em cada quatro instituições possuem salas climatizadas. A informação foi dada pela secretária estadual da Educação, Raquel Teixeira à GZH, em fevereiro, durante a onda de calor que atuava sobre o estado no início do ano letivo.

Na ocasião, o sindicato dos trabalhadores em educação do estado, o Cpers, chegou a conquistar na Justiça o adiamento do início do ano letivo. Depois a entidade fez um levantamento com as instituições e constatou diversos problemas.
Segundo o sindicato, o Radar Cpers foi respondido por 886 escolas. Dessas, 310 relataram problemas na rede elétrica, 241 informaram telhados danificados e 177 ter infiltrações. Outras 142 apontaram falhas hidráulicas, 121 informaram ter obras atrasadas e 101, risco de desabamento em muros.
Confira a reportagem em vídeo:
“Problemas antigos”
A presidenta do Cpers, a professora Rosane Zan, lembra que os problemas não são de agora. “Mais uma vez nós comprovamos aquilo que a gente fez lá em 2021 e 2022, pós-pandemia, que a gente fez uma caravana, na direção anterior, ainda com a professora Helenir. Era um dos pontos, ver a questão das estruturas das escolas e também a questão elétrica das escolas.”
Zan defende que o governo tenha protocolos e apresente reformas para garantir as aulas. “A gente não sabe até quando nós teremos problemas da questão climática no estado. E não é só no estado, né, é no mundo, a questão climática. Então, tem que haver protocolos e formas de dar sustentação a essas escolas, porque o ensino e aprendizagem não acontecem num espaço insalubre.”
Falta de luz e risco de curto-circuito
A Escola Desiderio Torquato Finamor, de Porto Alegre, é uma das que não possuem climatização e nem estrutura para a instalação. O vice-diretor, Gilian Cidade, conta que há salas em que as luzes não ligam e há risco de curto circuito. “Duas salas que a gente tem estão interditadas também já há bastante tempo, por causa da fiação elétrica que precisa ser reformada. Então a gente perde duas salas por causa disso.”
A supervisora pedagógica da escola, Andrele Cerentine, chama a atenção para a umidade nas salas. Ela relata que o problema elétrico está se agravando e outras salas já tiveram incidentes com a rede.
“Foi na sala do segundo ano, que é a sala do lado das salas que já estão com problema elétrico. A gente já tem uma tomada nessa sala que não está funcionando e, nesse período de calorão que teve no início do ano, a professora tentou ligar o ventilador. Entrou na sala, tentou ligar o ventilador e começou a sair um cheiro forte de queimado”, aponta.
Telhado com goteiras obriga suspensão de aulas
Os riscos aos cerca de 400 estudantes são ainda maiores por conta de problemas no telhado. O vice-diretor conta que as questões estruturais impedem o funcionamento normal das aulas, mas seguem sem resolução pela Secretaria de Educação.
“A gente tem um problema bem grave há bastante tempo no nosso telhado, que passa bem aqui no nosso saguão, no corredor da escola. Quando chove, não quando chove muito forte, a calha vira uma cachoeira, a parede que vem do segundo andar. Se sobe muito a água, o riacho que tem aqui acaba transbordando os bueiros também. Então isso faz com que a gente suspenda as aulas”, afirma Cidade.
Escola com pavilhão interditado
Em outro bairro de Porto Alegre, o Instituto Educacional Paulo Gama demonstra os resultados da falta de manutenção ao longo do tempo. Com mais de 800 alunos, o colégio teve seu maior pavilhão interditado pela Secretaria de Educação, em março deste ano, devido a problemas estruturais.
O diretor interino da instituição, Marcelo Marchiori, chegou há poucos dias na instituição e explica que as medições identificaram um deslocamento na estrutura do concreto do pavilhão. Afirma que a direção anterior fez o que estava a seu alcance para dar conta de outros problemas que a escola apresentava.
Marchiori lamenta o espaço sem uso. “Aqui nesse corredor tinha uma biblioteca, se eu não me engano, onde funcionava o atendimento aos alunos, mas também está interditado. Aqui para cima a gente tinha salas de aula. Esse banheiro estava com um problema sério de infiltração fazia anos. O professor Christian conseguiu ligar para um hidráulico, ele conseguiu fazer o conserto.”
Segundo o diretor da escola, os alunos tiveram que ser realocados para as demais salas. “Eles tiveram que tirar todas daqui e agora estão todas, todas as salas absolutamente ocupadas. Tem inclusive falta de professor numa turma de quarto ano que a professora teve que juntar duas turmas, já existe o pedido, já existe a vaga aberta na coordenadoria, mas não tem o candidato para entrar naquela vaga.”
Cpers crítica PPPs e denuncia “projeto de abandono”
Em meio a este cenário, o Cpers Sindicato critica o projeto de Parceria Público-Privada (PPP) que o governo de Eduardo Leite (PSDB) quer implantar em 99 das 2,3 mil escolas estaduais. Seguindo tendência observada em outros estados, a proposta prevê repassar à iniciativa privada por 25 anos serviços como reforma e manutenção predial, limpeza, segurança, refeição, fornecimento de mobiliário e zeladoria.
Diretora-geral 39° Núcleo do Cpers, responsável por escolas da zona sul de Porto Alegre, Neiva Lazarotto conta que o sindicato está mobilizado contra a proposta. “Nós estamos agora tentando fazer essa campanha, ‘Não venda a minha escola’, tentar mobilizar as comunidades para dizer ‘você tem R$ 5 bilhões para ser entregue para as escolas, repasse para gestões escolares’.”
Para ela, a situação das escolas não é casualidade, mas “um projeto de abandono” e que “sucessivos governos não investiram na manutenção predial, na manutenção da estrutura da escola.” Diz que concorda que se contrate uma empresa para fazer a reforma. “Mas para gestão da merenda, da monitoria, da limpeza, para 25 anos, podendo ser renovado, não. Isso é desobrigação do estado e é agraciar alguma empresa que tem objetivo de lucrar”, avalia.
Ela recorda que o Tribunal de Contas do Estado já apontou problemas no projeto. “Por isso foi suspenso o leilão que teria acontecido em fevereiro na Bolsa de Valores de São Paulo. Você imagina leiloar 99 escolas na Bolsa de Valores, é criminoso, no nosso entender.”
“É muito dinheiro que está em jogo”
A presidenta do Cpers, Rosane Zan, calcula que os cerca de R$ 5 bilhões que serão investidos pelo estado na PPP, se divididos entre as 99 escolas, dariam quase R$ 2 milhões para cada instituição. “Tu imagina se dessem esses quase R$ 2 milhões pra gestão da escola, ela faria miséria nessa questão estrutural do problema das escolas, das 2,3 mil escolas, que em mais de 600 a gente comprova que ainda continuam com o mesmo problema.”
Para ela, o governo estadual repete o modelo neoliberal. “Do uso daquilo que é do financiamento da educação, que é muito dinheiro que está em jogo, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), para passar isso pra iniciativa privada, quem ganhar no sistema de leilão a licitação.”
Zan recorda que em São Paulo, uma empresa que administra cemitérios venceu o leilão das PPPs para construir e gerir as escolas estaduais. “Quem sabe quem será que vai ganhar a licitação dessas 99 escolas pra estar fazendo a reforma?”, questiona.
A presidenta do Cpers diz que o sindicato vai seguir fazendo a denúncia. E faz um alerta: “Primeiramente eles dizem que é a parte só estrutural dessas escolas. A gente sabe que primeiro inicia o primeiro passo com as estruturas, depois vai para gestão, como a gente sabe o próprio Unibanco vem gestando as escolas de uma de uma forma natural, na questão pedagógica, vem dando norte das escolas como um fazendo as formações.”
O que diz o governo
O Brasil de Fato contatou a Secretaria da Reconstrução Gaúcha, responsável pela estruturação do projeto de Parceria Público-Privada. A pasta ressalta que o projeto é para reforma, requalificação, manutenção e prestação de serviços não pedagógicos a 99 escolas estaduais, e disse ter a expectativa de publicar o edital de licitação ainda no primeiro semestre de 2025. O leilão deve ocorrer 90 dias após essa publicação.
Questionada sobre a existência de estudos que comprovem que a iniciativa não será mais cara do que a execução das manutenções diretamente pelo estado, disse que “não se trata apenas de valores e, sim, que a PPP deve garantir menos burocracia e mais agilidade na prestação de serviços durante todo o período da concessão”. Ressaltou que o projeto prevê a realização de um estudo “que analisa a relação custo-benefício das diferentes formas de contratação”, como no caso de investimentos para reformas e manutenções da infraestrutura das escolas.
A Secretaria Estadual de Educação também foi procurada e questionada se existem planos em curso para conserto das escolas, qualificação de rede elétrica e melhoria na climatização das escolas, bem como sobre os problemas relatados pelas direções das escolas citadas nesta reportagem. Não houve retorno.
