O aposentado e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gideone Menezes, de 67 anos, está reagindo bem às medicações e agora precisa de doação de sangue. Ele foi atropelado por um EcoSport branco durante a marcha em defesa da Reforma Agrária e da Democracia, realizada no Recife na última terça-feira (15).
Segundo familiares ouvidos com exclusividade pelo Brasil de Fato, Gideone permanece sedado e internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital da Restauração, no bairro do Derby, área central do Recife.
O militante sofreu ferimentos graves em várias partes do corpo. Após passar por uma primeira cirurgia — da qual reagiu bem, sem comprometer órgãos vitais — ele foi submetido a um novo procedimento para colocação de um dreno no pulmão.
“O pulmão esquerdo não está sangrando. Já o direito tem um sangramento razoável. A médica disse que ele precisará de uma nova transfusão”, informou Geyson Menezes, filho de Gideone e servidor público.
Nesta quinta-feira (17), ele foi avaliado por um neurologista, que solicitou novas tomografias e descartou a necessidade de cirurgia neurológica no momento. Ainda não há previsão de alta da UTI.
De acordo com Geyson, a expectativa é que nas próximas horas seja iniciado o desmame da medicação, com avaliação contínua da resposta do paciente.
Companheiro alegre
Gideone Menezes é mecânico de máquinas pesadas aposentado e pai de três filhos. Passou a vida trabalhando para grandes usinas da Zona da Mata Norte de Pernambuco, onde reside. Há dois anos, passou a viver em um assentamento do MST na comunidade de Barreirinha, em Goiana. Segundo a família, ele vivia um momento de realização e felicidade.
“Hoje ele está muito feliz, muito realizado. É uma pessoa muito alegre, sabe? Ele não bebe, não fuma… só gosta de se divertir. Planta inhame, planta macaxeira, cuida da terrinha dele junto com os companheiros, que hoje são como irmãos pra ele. Ele está fazendo o que ama. Dá pra ver o brilho nos olhos dele”, conta a sobrinha Arine Menezes, estudante de enfermagem, que tem acompanhado o tio no hospital.
Arine compartilhou um vídeo gravado durante a concentração da marcha, em que Gideone aparece dançando com uma bandeira do MST nas mãos e sorrindo com os companheiros.
“Eu ainda não consigo entender como alguém faz uma crueldade dessas. Não é só porque é meu tio. Quem faz isso não escolhe quem vai atingir. É de uma brutalidade absurda. A marcha era pacífica, com apoio da polícia, da CTTU [Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife], e uma pessoa vem e comete isso. Pra nossa família, que sabe o quanto ele é amoroso e carinhoso com todos, é muito doloroso.”
Arine relatou que nunca havia tido envolvimento com movimentos sociais ou partidos políticos. No entanto, após o ocorrido, afirma ter passado a ver os movimentos populares com outros olhos.
“Hoje eu entendo por que o MST chama um ao outro de companheiro. Agora essa palavra faz todo sentido pra mim. O companheirismo que tenho visto em relação ao meu tio — vindo de todos os lados, de pessoas que nem o conhecem — é extraordinário. Claro que é uma tragédia muito grande, mas ela revelou o valor da lealdade e mostrou como uma organização pode funcionar de forma solidária.”
Ela também lamenta o nível de ódio contra o MST, que, segundo ela, pode ter motivado o atropelamento.
“Talvez esse homem tenha feito isso por puro preconceito contra o MST. Vi pessoas nas redes sociais dizendo: ‘Se estivesse trabalhando, isso não teria acontecido.’ Mas meu tio trabalhou a vida inteira. Ele ajudou a enriquecer os usineiros. E hoje, com um pedacinho de terra, planta para viver com dignidade.”
Investigação
Segundo Arine , até o momento a família não foi procurada pela Polícia Civil para atualizações sobre o paradeiro do motorista responsável pelo atropelamento.
O motorista do EcoSport branco já foi identificado, mas segue foragido. De acordo com nota enviada pela Polícia Civil ao Brasil de Fato Pernambuco, o carro foi apreendido durante as primeiras diligências.
“A Polícia Civil de Pernambuco apreendeu um veículo encontrado durante as primeiras diligências. O motorista também foi identificado, mas não teve seu nome divulgado. Até o momento, encontra-se foragido. A 4ª Delegacia de Homicídios da PCPE segue com as investigações.”
Em nota, o ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou que “se solidariza com as vítimas, familiares e com toda a organização do MST” e que “acompanha o caso através de sua Assessoria de Participação Social e Diversidade, e mantém diálogo com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, que também monitora o andamento da ocorrência”.