Moradores do bairro da Gamboa, em Salvador (BA), denunciaram a ação truculenta da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal (GCM) durante a demolição da casa de um pescador, nesta quinta-feira (17), na região.
Bianca Araújo, moradora da casa demolida, afirmou que a população local foi ameaçada durante um protesto espontâneo que se formou durante a demolição. “O guarda municipal despreparado, chegou metendo spray de pimenta na cara de criança, de morador. Polícia dizendo que vai dar tiro na cara da gente”, disse em entrevista à TV Bahia. “Eles chegaram dizendo que iam derrubar a casa, sem autorização, sem nada, não deixaram nem a gente entrar na casa.”
Diogo Araújo, irmão de Bianca, disse que foi notificado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur). “Eles me notificaram, mas eu não fui lá, porque eles iam me pedir engenheiro, mas eu não tenho, [iam pedir] documentação do terreno, mas aqui ninguém tem. Estou nessa luta aí para tentar não deixar derrubar minha casa”, disse.
“Eu não vou aceitar isso. É o meu suor, meu sangue, minha luta de cada dia de trabalho e eu não vou perder assim fácil. Eles demolindo minha casa, eu vou perder minha vida praticamente, então vou morrer tentando”, afirmou também à TV Bahia.
Segundo uma prima da família, Natasha, Diogo chegou a ser baleado durante a ação. “Meu primo desceu para tentar conversar, mas ele foi recebido a tiro pela Guarda Municipal, então ele voltou”, disse. “Tem filmagem que eles balearam meu primo no pé, a venda de uma senhora está ensanguentada, porque meu primo teve que correr para dentro para não ser pior”. A GCM disse que, diante da resistência do proprietário, foi acionada para garantir a segurança de todos os envolvidos, afirmou em nota.
A comunidade pesqueira no Centro Antigo de Salvador, por meio de seu perfil no Instagram, afirmou que o território onde houve a ação é “invadido pelos prédios do Corredor da Vitória”, uma área nobre da cidade, e que a casa ficava próxima ao píer do Edifício Morada dos Cardeais, um prédio de alto padrão.
“Essa casa não surgiu ontem. Foi construída há muito tempo, por uma família de pescadores/as negros/as da Comunidade, território tradicional, centenário, de pesca, moradia e resistência”.
“A comunidade foi sitiada. O acesso à Gamboa foi bloqueado, casas foram tomadas por gás de pimenta, tiros com balas de borracha foram disparados, e idosos, mulheres e crianças passaram mal. Tudo isso para garantir a demolição da casa de trabalhadores, pescadores, negros, de baixa renda, enquanto os píers privados de condomínios de luxo — construídos em área da Marinha — seguem avançando sobre o mar, ignorados pela fiscalização”, afirmou a comunidade em nota.
“É sempre o preto, o pobre, que é tratado como ilegal, como invasor, como problema urbano. As cercas dos ricos são protegidas. As casas dos pobres são demolidas. A SEDUR, que deveria zelar por um planejamento urbano justo, se omite diante das ilegalidades dos empreendimentos de elite e age com brutalidade sobre os territórios populares. A Guarda Municipal e a PMBA assumem o lado da repressão violenta para fazer valer um planejamento urbano de exceção, voltado a quem tem privilégios”, concluiu.
Ao Brasil de Fato, a assessoria do Centro Estudos e Ação Social (Caes), que atua junto aos moradores da região, afirmou que a comunidade tradicional pesqueira da Gamboa de Baixo existe antes do Edifício Morada dos Cardeais, “antes que eles avançassem sobre o mar com seus prédios e piers, jogando veneno e esgoto no mar, privatizando a praia e restringindo o acesso à comunidade”.
Em nota, a Sedur informou que a casa configurava uma construção irregular, em área de risco na Gamboa, e não possuía alvará da prefeitura. A pasta também disse que a medida está fundamentada no Código de Obras do Município (Lei 9.281/2017), que determina a autorização prévia da Sedur para qualquer intervenção. A legislação também autoriza a prefeitura a demolir construções iniciadas sem licença, quando localizadas em áreas públicas ou quando representarem risco iminente de desabamento.