A morte do Papa Francisco (1936-2025) fez renascer o documento “Querida Amazônia”, que ele mesmo escreveu e lançou no dia 12 de fevereiro de 2020, para falar sobre a importância do bioma e do papel dos povos indígenas na sua preservação. Depois de uma longa convalescência, Francisco faleceu no dia 21 de abril, Páscoa no mundo cristão e Dia da Inconfidência do Brasil.
Nascido Jorge Mario Bergoglio, em Buenos Aires, Argentina, formado em química antes de estudar teologia e se tornar um jesuíta, com o documento sobre o bioma amazônico o papa impulsionou no Brasil a campanha “Eu Voto pela Amazônia”. A iniciativa foi lançada em 2022. Além disso, ele nomeou uma brasileira como perita para participar da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, realizada em outubro de 2019, em Roma, Itália. A perita é a socióloga Márcia Maria Oliveira, professora da Universidade Federal de Roraima.
O papa Francisco foi o único a se manifestar sobre as questões ecológicas e a mudança climática, alertando que temos uma “Casa Comum”, o planeta Terra, e que todos nós sofremos as consequências de ações irresponsáveis. No documento de 94 páginas, Francisco defendeu a importância ecológica da Amazônia, a maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo, descrevendo as características da região e a sua importância na mitigação das alterações climáticas a partir do armazenamento de carbono pela densa vegetação. Ele destacou que os povos indígenas são aqueles que sabem proteger a floresta, considerando que vivem na região desde tempos imemoriais. Ao divulgar o documento, o papa Francisco alertou sobre o crescente desmatamento no Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia e a violência contra os povos indígenas e os defensores da floresta.

CNBB e a Amazônia
A campanha #EuVotoPelaAmazonia foi lançada dia 5 de maio de 2022 em Brasília, pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O objetivo da iniciativa foi o de ajudar a sociedade a refletir sobre a importância de eleger políticos e governos comprometidos com a ecologia integral, a agroecologia, a justiça socioambiental, o bem-viver e o direito dos povos e de seus territórios.
No vasto território amazônico, compartilhado por nove países (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname), vivem mais de 180 povos indígenas, sendo que alguns grupos são isolados. O agronegócio, o garimpo, a extração ilegal de madeira e os grandes projetos econômicos são alguns dos fatores que contribuem para o desmatamento e o empobrecimento dos recursos naturais e dos povos que habitam a Amazônia e colocam em risco a integridade física dos indígenas e seu modo de vida, além de também ameaçarem as populações tradicionais.
A campanha #EuVotoPelaAmazonia se estendeu até o mês de setembro de 2022, véspera da eleição para a Presidência da República e governos estaduais, e contou com várias iniciativas de conscientização, como rodas de conversa sobre a Amazônia, vídeos, materiais para redes sociais e roteiro de celebrações para as comunidades de dentro e de fora da Amazônia, além de reuniões com procuradores do Ministério Público e com vereadores e deputados dos estados amazônicos, lembrou a professora e socióloga Márcia Maria.
A professora, especialista em Amazônia e assessora da Repam, destaca que nos últimos anos, o bioma amazônico foi explorado violentamente com queimadas, desmatamentos, invasão de terras indígenas e o avanço do agronegócio e da mineração sobre territórios protegidos. A substituição da floresta nativa por pastagem para o gado é uma das maiores agressões ao bioma. Mesmo reconhecendo que outros biomas também estão ameaçados, a Amazônia tem significado crucial para o enfrentamento das mudanças climáticas no mundo.
Ao lançar a campanha em 2022, o arcebispo de Porto Velho e secretário da Repam, Dom Roque Paloschi, salientou que as eleições são um espaço fundamental para o exercício da cidadania e o momento durante o qual podemos decidir os rumos de nossa história e salvaguardar a democracia. “Para isso, é importante uma educação integral de todos nós, povo brasileiro, para que tenhamos escolhas conscientes e pelo bem da coletividade.”
Ainda segundo Dom Roque, nas eleições, é importante prestar atenção nas propostas que os partidos e candidatos fazem sobre a Amazônia. “Todos sabemos da importância fundamental do bioma amazônico e a sua sociodiversidade para o equilíbrio do clima e a garantia da possibilidade de vida para as gerações futuras”, salienta.
A campanha #EuVotoPelaAmazonia teve o objetivo de mostrar que não existe limite para a verdadeira participação política e muitas atitudes e lutas comprovam isso, diz Márcia Maria Oliveira, lembrando que no dia 3 de novembro de 2021 o mundo parou para ouvir a única brasileira a discursar na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP26).
A jovem Txai Suruí, advogada, então com 24 anos, do povo Suruí, denunciou os impactos das mudança climática na Amazônia como resultado do desmatamento, das queimadas, do latifúndio, da invasão das terras indígenas pelo garimpo ilegal, da contaminação da terra, das águas e do envenenamento dos alimentos.
A advogada Txai levou para a COP26 o conceito de “amazonizar” o discurso e, a partir daí, a ideia foi acolhida pela campanha. “Amazonizar a política é assumir o voto consciente e eleger quem defende a Amazônia e se posiciona em defesa dos povos indígenas e os reconhecem como os verdadeiros protetores do território”, diz a socióloga. Márcia Maria destaca também que “amazonizar a política é votar em quem defende as comunidades camponesas, ribeirinhas, seringueiras e quilombolas que convivem com as águas e florestas sem a destruir ou maltratar o bioma, amazonizar a política é incluir-se nos espaços e instituições para fazer diferente”.
Conheça a Repam
A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil) foi criada em 2014, em Brasília, pelo Conselho Episcopal Latino-americano (Celam), pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pelo Secretariado da América Latina e Caribe de Caritas (Selacc) e pela Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (Clar). A Repam tem o objetivo de construir e fortalecer uma estratégia em defesa da vida, dos povos e do bioma amazônico.
A Repam nasceu a partir de uma provocação da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida (SP), em que sugeriu “criar nas Américas a consciência sobre a importância da Amazônia para toda a humanidade e estabelecer entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos, que estão na bacia amazônica, uma pastoral que crie um modelo de desenvolvimento que privilegie os pobres e sirva ao bem comum”.
* Márcia Turcato, jornalista
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
