No episódio 58 do Sabe Som?, Thiago França conversa com os artistas Laura Dias e Matheus Câmara, do coletivo Teto Preto, para um papo que não é só sobre música, é sobre “mover estruturas”. O grupo, que se define como mais do que uma banda, compartilhou sua trajetória artística e política, que começa nas festas de rua e deságua em palcos internacionais.
“O Teto é um acontecimento”, resume Laura, cantora do coletivo, ao falar sobre a pluralidade do grupo que une diversas linguagens em uma proposta que desafia o formato tradicional de uma banda. “A gente faz música, mas integra essa questão da música com a performance de uma maneira indissociável. A gente entende que o audiovisual, o design gráfico, a forma como a gente se coloca em palco com os figurinos, cria todo um universo e uma imersão. Teto é sempre uma catarse”, afirma Laura.
Durante a conversa, o coletivo lembrou das origens na Mamba Negra — festa criada em 2013 que se tornou um dos movimentos mais potentes da cena eletrônica independente de São Paulo (SP). “A Mamba é um movimento. Eu acho que dentro da cena toda e no Mamba, há uma super influência geracional de pessoas que precisaram criar esses espaços de trabalho que não existiam 10, 15 anos atrás como perspectiva de protagonismo, de futuro, de afetos”, conta Laura.
“Eu gosto de chamar de ‘under grande’. A gente é o mainstream do underground. A gente conquistou lugares que afetam, sim, o mundo numa escala global”, afirma Laura. “Não é à toa Beyoncé em Salvador. Mesmo a Madonna em Copacabana. Gente, isso é a nossa cena! Isso é uma conquista nossa.”
Ainda sobre a experiência dos bastidores da Mamba, o instrumentista e produtor Matheus Câmara lembra que a festa existe em sua vida muito antes dele ser maior de idade. “A minha mãe precisava assinar para eu tocar na Mamba. Eu comecei tocando na Mamba e um pouco depois eu comecei a absorver funções. ‘Ah, pô, ajuda a gente com o artístico.’ ‘Pô, assume mais um negócio aqui, cuida do gerador.’ E aí de repente, acho que foi na [edição] de seis anos, eu já estava assumindo a pré-produção inteira”, conta.
Laura e Câmara trazem ainda reflexões sobre criar arte a partir da dor e da potência coletiva. “A primeira experiência religiosa da humanidade é com a natureza da violência”, diz Laura, que explica o título do novo álbum A Tua Onda, como uma “concessão aos algoritmos”. “A gente quer que as pessoas possam escolher o que querem escutar. O público comum não entende que está escutando o que o Spotify está mandando. Não o que ele quer. Eu sou pela liberdade de escolha das pessoas”, reforça a cantora.
Sem rodeios, ela critica o apagamento da coletividade e o mito da meritocracia: “Se tem número é porque tem dinheiro. […] E a mona fala: ‘Ai, eu cheguei aí por mérito.’ Não! Não, não. Não venha vender a meritocracia branca ocidental. Não venha. Entendeu? Venda outra coisa. Venda que você é uma empresária que conseguiu bons acordos e que isso, sim, é louvável.”
A dupla também aponta o desafio de criar arte dissidente em um país onde o capital cultural ainda é concentrado nas mãos de poucos. Segundo Câmara, eles precisam lutar para convencer que o que fazem é trabalho, “que gera emprego, gera educação, dá perspectiva para as pessoas”. Laura completa: “Isso nada mais é do que uma herança de um país que teve mão de obra escrava. Porque existe uma diferenciação entre trabalho dito como intelectual e trabalho dito como braçal, entendeu?”
A crítica à romantização do artista independente vem acompanhada de um alerta sobre como funciona a lógica dos investimentos, especialmente no setor cultural, e como ela acaba excluindo criadores dissidentes ou fora do padrão. “Veio uma pessoa e disse: ‘Um investidor não vai apostar numa empresa cujo CEO é maluco’. E aí, no nosso caso, o CEO maluco, que vai tomar uma decisão maluca, é a gente, só por existir”, aponta Câmara.
Mesmo com todo o peso das pautas que carrega, Teto Preto não deixa de levar as problemáticas com humor e irreverência. A cantora, entre uma crítica e outra, faz piada sobre o próprio papel: “De feia não consegue me chamar, amor. Burra, mal vestida? Tem que nascer de novo.”
É essa mistura de deboche, consciência política e corpo em movimento que transforma o coletivo num dos fenômeno da cena underground brasileira. Com nova turnê marcada pela Europa e o lançamento do single Com Calma vindo aí, o Teto Preto segue afirmando: a pista de dança é um campo de batalha – e de afeto.
O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h da manhã, nas principais plataformas, como Spotify e YouTube Music.