Um dos últimos redutos verdes do Belvedere, bairro da região centro-sul de Belo Horizonte, está prestes a se tornar mais uma vítima do avanço das obras de infraestrutura. Cerca de 280 árvores podem ser suprimidas para dar lugar à ampliação do viaduto da BR-356, conforme prevê o projeto da prefeitura da capital mineira, mantido pelo prefeito Álvaro Damião (União Brasil), mesmo após manifestações contrárias de moradores, ambientalistas e urbanistas.
A área em questão é a tradicional Lagoa Seca, uma praça plana e arborizada, de cerca de 750 metros de extensão, utilizada por corredores, moradores e famílias da região. Ainda que a lagoa propriamente dita já não exista, o espaço é um símbolo de qualidade de vida em uma área fortemente verticalizada. A ameaça da remoção das árvores, algumas centenárias, gerou revolta entre os frequentadores.
“Os moradores dos prédios, que são mais de 2,7 mil apartamentos, em sua maioria, estão insatisfeitos com essa decisão. A pesquisa disponibilizada não perguntou se as pessoas querem o corte das árvores. Ela circulou até em cidades como Nova Lima e Rio Acima, o que deslegitima completamente esse levantamento”, critica Ubirajara Pires, presidente da Associação dos Moradores do Bairro Belvedere (AMBB).
‘É um equívoco técnico e ambiental’
Para o urbanista e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Salibá, o projeto que prevê a supressão das árvores é tecnicamente equivocado.
“Os engarrafamentos na área não ocorrem onde querem cortar as árvores. O problema real está mais à frente, no viaduto que liga a BR-356 à avenida Raja Gabaglia”, explica.
Segundo Salibá, seria possível ajustar o projeto sem destruir a vegetação.
“Não há necessidade de alargar a pista que margeia a Lagoa Seca. A extensão do viaduto e o alargamento poderiam se restringir a um trecho mais adiante, sem afetar esse espaço verde. O corte de centenas de árvores em plena crise climática é uma estupidez”, afirma.
Mobilidade urbana à custa da natureza
A justificativa da Prefeitura de Belo Horizonte é de que a obra visa melhorar a mobilidade urbana em um dos pontos de maior fluxo de veículos da capital. O prefeito Álvaro Damião chegou a anunciar a suspensão temporária do projeto no dia 4 de abril, após pressão dos moradores. Contudo, em visita ao local no dia 13, afirmou que manterá o projeto original devido à inviabilidade técnica e financeira de se realizar alterações.
A obra prevê um investimento de R$ 16 milhões para a ampliação do viaduto sobre a BR-356 e a construção de uma terceira faixa de rolamento no sentido Belvedere–Santa Lúcia, além de um novo viaduto que ligará diretamente a BR-356 à MG-030, desviando o tráfego do trevo da avenida Raja Gabaglia.
‘Crime ambiental’
A supressão das árvores, entre ipês, cedros e chapéus-mexicanos, não é o único prejuízo apontado pelos moradores.
“É um crime ambiental. Estamos perdendo sombra, fauna, qualidade do ar e a identidade do bairro”, lamenta Ubirajara.
Salibá também aponta o impacto sobre a biodiversidade.
“Estamos vendo o habitat da fauna local desaparecer. Animais selvagens típicos da região já não são mais vistos. O século 21 deveria ser o da valorização ambiental e dos direitos dos animais. Mas aqui, seguimos na contramão.”
Resposta da Prefeitura
Indagados pela reportagem, a PBH anunciou o plantio de 860 árvores em outras áreas do bairro, como tentativa de compensação ambiental.
A resposta oficial, porém, não convenceu especialistas e moradores. Para Salibá, a compensação ambiental não equilibra os danos.
“Plantar árvores em outro lugar não resolve o problema do microclima que será afetado ali. Árvores levam anos, décadas, para alcançar o papel ecológico que as existentes já desempenham hoje.”
A expectativa da PBH é concluir as obras até o fim de 2026. Até lá, moradores prometem seguir pressionando por alternativas que preservem a natureza e a memória do bairro.
“Queremos mobilidade, mas não à custa da destruição de árvores centenárias. Há outras formas de fazer a cidade avançar”, resume Ubirajara.