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Observatório das Metrópoles

Em busca das metrópoles do amanhã

É preciso compreender as mudanças para que possamos propor cidades melhores, socialmente justas e inclusivas

Mario Leal Lahorgue*

“Como serão as nossas metrópoles no amanhã?” É exatamente assim que começa o texto de apresentação da proposta de pesquisa para os próximos cinco anos da rede nacional INCT – Observatório das Metrópoles. Para celebrar que o projeto foi aprovado no último edital do CNPq (Chamada – MCTI/CNPq/Sectics/MS/Capes/FAPs Nº 46/2024 – Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT), cabe aqui colocar em linhas gerais o que pretendemos para a metrópole gaúcha nos próximos anos.

É consenso em vários ramos de conhecimento que tratam da questão urbana, que as metrópoles brasileiras passam por profundas mudanças estruturais. Compreender estas mudanças se torna, de fato, uma primeira condição para que possamos propor cidades melhores, socialmente justas e inclusivas.

Comecemos lembrando das transformações que nossa metrópole (Porto Alegre) tem atravessado, nas últimas décadas:

O crescimento de Porto Alegre e sua região Metropolitana (RMPA) esteve fortemente associado, no início, com uma economia urbano-industrial: na economia do Rio Grande do Sul, havia forte concentração de atividades industriais em Porto Alegre e sua região. Esta concentração, que ditava em muitas maneiras a forma pela qual a metrópole se desenvolvia, ao mesmo tempo também era responsável pela exacerbação de problemas, como o aumento da ocupação irregular do solo e da construção de habitações; dificuldades crescentes na mobilidade urbana, entre tantos outros que até hoje fazem parte de nossa paisagem.

Hoje em dia, a indústria vem sistematicamente perdendo espaço na economia metropolitana. Na cidade de Porto Alegre, por exemplo, a participação da indústria na geração de valor despencou, como pode ser visto na tabela 1:

Isto significa que a solução para Porto Alegre é tentar atrair indústrias? Não necessariamente: na verdade significa que precisamos organizar e planejar nossa cidade entendendo estas transformações. Afinal, planejar e encontrar soluções para problemas de um bairro industrial é completamente diferente de buscar soluções para um bairro com uso misto de serviços e residências, por exemplo.

Tendo estas transformações em vista, que são profundas e não exclusivas de Porto Alegre, é que se coloca o novo plano de trabalho do Observatório das Metrópoles. Como pontuado no projeto de pesquisa:

“Pretendemos com esta proposta contribuir para colocar os objetivos do desenvolvimento urbano das nossas metrópoles no centro do debate sobre os desafios, caminhos e estratégias do desenvolvimento nacional, a partir do reconhecimento da importância da dinâmica metropolitana como elemento crucial para pensar o presente e o futuro da nação brasileira. Este objetivo contém dois eixos: a) conhecer as transformações da ordem urbana brasileira em suas diversas escalas e dimensões e os impactos no processo de metropolização e b) contribuir na construção, implementação e monitoramento do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental das metrópoles e a garantia do direito à cidade.”

Temos muito trabalho pela frente, que se desdobrará em vários objetivos específicos, como por exemplo:

Identificar e interpretar o impacto do padrão de acumulação rentista- neoextrativista na rede urbana brasileira, consistindo em identificar as transformações: do sistema urbano-regional; dos graus integração dos municípios à sua dinâmica; do papel das atividades industriais, primário-exportadoras, logísticas, imobiliárias e do regime demográfico brasileiro e suas implicações nas desigualdades sociais.

Identificar e interpretar as mudanças dos padrões, regimes e dinâmicas de segregação residencial constituídos no período da industrialização, suas conexões com os mecanismos de exclusão/Integração e de reprodução das desigualdades sociais, bem como as dinâmicas sociais, econômicas e políticas que os constituem.

Investigar as dinâmicas de poder metropolitano e elaborar subsídios para a construção de sistemas de governança das metrópoles capazes de promover a justiça social, a cooperação interfederativa e a participação social nas políticas, objetivando compreender os fatores que dificultam a integração social e a cooperação metropolitana, entre os quais as políticas urbanas neoliberais e subordinadas à lógica rentista, a cultura política, os novos ilegalismos e o controle armado dos territórios.

Desenvolver múltiplas ações de transferência de conhecimento científico para instituições públicas, voltadas para a elaboração de políticas públicas que incorporem o conhecimento produzido no âmbito das pesquisas e para a qualificação da prática dos agentes públicos.

Assim, os próximos cinco anos serão intensos em pesquisas. Nesta semana o INCT Observatório das Metrópoles foi oficialmente convidado a integrar a Rede Global de Observatórios Urbanos (Global Urban Observatory Network – GUO-Net), coordenada pela ONU-Habitat. A certificação marca um importante reconhecimento internacional da atuação do Observatório na produção de conhecimento qualificado sobre as dinâmicas urbanas brasileiras.

É importante lembrar que o Observatório das Metrópoles, além de fazer pesquisa acadêmica, sempre entendeu que a interação com a sociedade e a intervenção no debate público são essenciais para a difusão do conhecimento baseado em evidências, nesta época tão complicada em que se confunde “opinião” com conhecimento. Aliás, este é um dos motivos da existência desta coluna. Tentamos contribuir para que o debate sobre nossas cidades – e sobre Porto Alegre em particular – aponte para que a cidade no amanhã seja verdadeiramente democrática, socialmente justa e ambientalmente sustentável. Em resumo, queremos que todos(as) possam se sentir pertencendo a uma cidade.

Confira o vídeo com os principais resultados do período:

* Mario Leal Lahorgue. Professor do Departamento de Geografia da Ufrgs e Coordenador do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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