Um estudo recente revela um desafio significativo para o sistema de saúde brasileiro, tanto público quanto privado: mais de 60% da população não busca atendimento médico mesmo apresentando sintomas.
A pesquisa aponta ainda que essa resistência ocorre por questões ainda na porta de entrada dos cuidados e a solução também está nos investimentos e políticas da atenção primária.
Segundo o levantamento – realizado pelas organizações Vital Strategies e Umane em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – a demora no atendimento é o principal motivo e foi citado por 46,9% das pessoas para não buscar ajuda profissional.
Em entrevista ao Repórter SUS, podcast de saúde do Brasil de Fato, a diretora adjunta de Doenças Crônicas não Transmissíveis da Vital Strategies, Luciana Sardinha, afirma que a ida ao médico esbarra em fatores conectados à qualidade do atendimento e às condições do acesso.
“A atenção primária à saúde é essencial para estruturar os serviços de saúde no Brasil e em qualquer país. É nela que a pessoa que está com problemas ou precisa acompanhar uma condição cria um vínculo com aquele serviço”, afirma a especialista.
Mesmo entre quem busca atendimento, mais de 40% relataram não ter conseguido assistência médica. Novamente, o tempo de espera foi o principal obstáculo e apareceu em mais de 60% das respostas.
“A demora no atendimento é uma das grandes barreiras que observamos e temos observado ao longo de muitos anos e de muitas décadas. Não é uma questão estrutural de agora. É realmente um problema que precisa ter investimentos de melhoria da gestão, da otimização das agendas e da oferta de serviço para reduzir esse tempo”, alerta Luciana Sardinha.
Na lista de fatores que afastam a população dos consultórios foram citadas também a insuficiência de equipamentos, a falta de profissionais qualificados e a percepção de que os sintomas não são graves.
O hábito da automedicação apareceu em 35% das respostas. Luciana Sardinha ressalta que o Brasil é um dos países recordistas desse tipo de prática. Pesquisas mostram que quase 90% da população consome remédios sem indicação médica.
“Isso pode agravar problemas. As alternativas são conscientização, educação e talvez medidas como venda fracionada. Há também a questão econômica. Muitas vezes a medicação não está na unidade de saúde, então a pessoa compra o remédio que ela acha melhor ou outro que o vizinho indicou.”
Na conversa com o podcast, a especialista afirma que mudar essa realidade passa necessariamente por investimentos na gestão, otimização de agendas, aumento da oferta de serviços e até utilização de tecnologias, como o teleatendimento.
No caso do Sistema Único de Saúde (SUS), ela aponta que a garantia de financiamento contínuo é primordial: “Não dá para ter investimentos e orçamentos anuais com cortes enormes no meio do caminho. Isso leva os profissionais, a gestão e os usuários a ficarem sem a assistência”, conclui.