Dois dias de intensos debates sobre mudança climática mobilizaram 1,2 mil participantes e cerca de 60 palestrantes no Salão Nobre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O Climate Change Summit foi realizado nos dias 2 e 3 de maio e culminou com a divulgação da Carta de Porto Alegre, que elenca os agravos provocados pelas mudanças climáticas ocorridas no Brasil e, em especial, no Rio Grande do Sul. O documento sugere ações para minimizar ou evitar as consequências da tragédia (íntegra da carta aqui).
O evento foi aberto pela reitora da universidade, Márcia Barbosa, que lembrou que, no dia 2 de maio de 2024, o aeroporto internacional de Porto Alegre, totalmente alagado e com equipamentos submersos, foi fechado. Um ano depois, cientistas do Brasil e do mundo se reúnem no Summit para buscar soluções sustentáveis e socialmente comprometidas com a comunidade.

Durante os dois dias de discussão, não foram poucos os especialistas que se revezaram no palco para alertar que até o ano 2100 o nível do mar deve subir 30 centímetros, inundando costas litorâneas, fazendo desaparecer ilhas, abalando economias e prejudicando ainda mais os já vulneráveis. E a razão principal para tudo isso é o aumento da temperatura provocada pela ação humana. Outros elementos naturais, como explosões solares e a ativação de vulcões, por exemplo, também colaboram para esse cenário.

Para se ter uma ideia, o testemunho de gelo mais antigo coletado na Antártica, que é como os cientistas chamam as amostras de gelo que estudam, tem 350 mil anos, e ela já registra a presença de dióxido de carbono. Essa amostra de gelo é comparada com outra, do período industrial, onde a presença de dióxido de carbono é infinitamente maior e onde houve significativo aumento da temperatura global como resultado do impulso fabril sem cuidados com o meio ambiente, além do uso de carvão para aquecimento em toda a Europa e também na América do Norte.
O professor Jefferson Simões, PhD em Glaciologia, que participou de 29 viagens polares, assim como Francisco Eliseu Aquino, geógrafo, mestre em geleiras, e Venisse Schossler, geógrafa, pesquisadora polar, os três da Ufrgs, falaram sobre a visível consequência do aquecimento global no mundo. Eles alertaram sobre o derretimento de glaciares nos Andes, com o fechamento de vários hotéis, estações de esqui e o fim de comunidades, por falta de neve e de água. “A dinâmica da vida na Terra está mudando”, disse Simões.

O cientista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), observou que o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs tem condições de oferecer todas as respostas necessárias para que Porto Alegre não seja vítima de outra enchente. “Aqui há especialistas capazes de resolver a questão, mas não foram procurados”, se referindo ao fato do prefeito, Sebastião Melo (MDB), ter viajado à Holanda, junto com o governador do estado, Eduardo Leite, em busca de estratégias para prevenir catástrofes hídricas.
Para o cientista Carlos Nobre, pesquisador titular da Universidade de São Paulo (USP), integrante da Academia Brasileira e da Academia Global de Ciência, “não estamos mais falando de mudança climática e sim de emergência climática”. Nobre alertou que a comunidade científica internacional estima que a temperatura subirá 2,5 graus centígrados até 2050, tornando a vida inviável em várias regiões, podendo levar a população a um ponto de não retorno. “Se não revertemos nosso modo de produzir e de consumir, na América do Sul a vida só será possível próxima a cordilheira dos Andes, por conta da umidade, o restante será um grande cerrado ou até mesmo um deserto.”

A enchente
A chuva no mês de maio de 2024, em Porto Alegre, foi de 12 bilhões de metros cúbicos, ou 12 trilhões de litros. Essa quantidade de água equivale a quatro milhões de piscinas olímpicas. Para ajudar a entender esse volume, uma piscina olímpica tem 50 metros de comprimento, 25 de largura e três metros de profundidade. Os dados são do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o cálculo foi feito a partir de imagens de satélite.
A enchente aconteceu não só porque choveu muito, mas também porque um sistema de alta pressão fez com que as nuvens permanecem sobre o Rio Grande do Sul, os rios voadores – que são formados pela umidade da Amazônia, encontraram uma confluência que os fez migrar para o Sul, uma instabilidade climática entrou no estado pela Argentina e muitos equipamentos contra enchente estavam sem manutenção, além de várias edificações serem em áreas de risco ou em locais de aterro.
E o que fazer? Essa pergunta foi de todos. E várias sugestões surgiram, como dar manutenção para equipamentos contra cheias, construir pontes, estradas e prédios resistentes a catástrofes climáticas, não edificar em áreas de risco e em áreas alagadas, ter programas de acolhimento para populações vulneráveis, melhores práticas de ocupação do solo e de produção agropecuária, combater o negacionismo climático, ter um plano eficiente de rota de fuga e de proteção para a população e uma estratégia de comunicação de risco.
Ministério da Saúde terá um centro para enfrentar epidemias
A médica Margareth Dalcomo é a mulher que cancelou o Natal no Brasil. No dia 23 de dezembro de 2020, a pesquisadora da Fiocruz foi ao Jornal Nacional para dizer que não poderia haver confraternização natalina por causa da pandemia de covid-19, as pessoas deveriam ficar em reclusão. E agora ela volta ao cenário para contar que faz parte do seleto grupo de especialistas que vai orientar o Ministério da Saúde na construção de uma entidade para o enfrentamento de pandemias. A iniciativa leva em conta as alterações provocadas no ambiente em consequência das mudanças climáticas, além de fatores sociais e culturais.
O grupo deve apresentar diretrizes para a criação de um organismo federal de controle e prevenção de doenças vinculado ao Ministério da Saúde. Treze instituições ligadas ao setor de saúde e 18 especialistas da área, entre eles a pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcomo, fazem parte do grupo, que tem prazo de 60 dias para entregar a proposta. A portaria do Ministério da Saúde, de 11 de março de 2025, assinada pelo ministro Alexandre Padilha, determinando a criação do organismo, também estabeleceu que o grupo de trabalho deve elaborar propostas que ajudem o país a ampliar sua capacidade de resposta para as emergências em saúde.

Mas a pesquisadora adverte: “O novo organismo não é um CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças], ainda não definimos como será”. O CDC, em inglês Centers for Disease Control and Prevention, é a agência nacional de saúde pública dos Estados Unidos, com sede em Atlanta, na Geórgia. O órgão é responsável por combater doenças e proteger a saúde das pessoas.
O CDC realiza pesquisas, desenvolve políticas e trabalha em conjunto com parceiros globais para responder a crises de saúde pública. Procurado pela reportagem, outro especialista do grupo, epidemiologista, respondeu de forma semelhante: “Ainda não temos o desenho do futuro centro, mas temos evitado comparar com o CDC”. E acrescenta que os participantes foram organizados em três grupos temáticos, portanto, “o perfil da instituição só será vislumbrado quando o produto de trabalho dos três grupos for reunido e analisado”.
Palestrante do Summit em Mudanças Climáticas, organizado pela Ufrgs, em Porto Alegre, Dalcomo sugeriu que houvesse uma nova definição para a espécie humana, que deixaria de ser homo sapiens para se tornar “homo cretinus”. Isto, segundo ela, porque todas as alterações sofridas pelo planeta Terra foram resultado de acidentes com meteoros ou do impacto das placas teutônicas, mas, agora, as alterações são causadas conscientemente pela ação humana.
Ela destaca os riscos de enfermidades já controladas voltarem e de doenças desconhecidas emergirem em função do aumento da temperatura global e suas consequências sobre todo o planeta. A pesquisadora da Fiocruz atribui ao negacionismo das autoridades públicas a volta do sarampo, enfermidade que estava controlada no mundo, os milhões de mortes por covid, em especial os óbitos registrados no Brasil, e a queda nas coberturas vacinais, resultado da falta de campanhas de sensibilização em vários estados e da falta de compromisso social das prefeituras, que não solicitam imunizantes em quantidade suficiente para atender a população e não informam o local onde o produto está disponível.
