A ausência de cotas raciais no concurso da Secretaria de Educação de João Pessoa reacendeu o debate sobre o racismo estrutural nos concursos públicos municipais. O edital lançado pela prefeitura prevê 403 vagas, com reserva apenas para pessoas com deficiência, ignorando a Lei Federal nº 12.990/2014, que estabelece a obrigatoriedade de 20% de cotas para negros em concursos públicos da administração federal. A Defensoria Pública da Paraíba recomendou a suspensão do certame, alegando que a omissão é inconstitucional e fere tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Interamericana contra o Racismo, que tem status de emenda constitucional.
De acordo com nota do Idecan, banca organizadora do concurso, enviada a um portal de notícias local, “João Pessoa não possui qualquer legislação que verse sobre cotas para pessoas negras e pardas em concursos públicos”.
O posicionamento segue o mesmo da Prefeitura Municipal de João Pessoa, que informou que a Lei Federal nº 12.990/2014, citada na recomendação, reserva 20% das vagas para cotas raciais apenas para os concursos públicos federais, não abrangendo os estaduais e municipais.
A prefeitura de João Pessoa e a banca organizadora Idecan afirmam que não há obrigação legal, uma vez que o município não possui legislação específica sobre cotas raciais.
Como não há legislação municipal que disponha sobre a inclusão das cotas raciais, a prefeitura alega não haver obrigatoriedade de atender à recomendação da defensoria, o que difere da cota para deficiência, sobre a qual existe norma municipal expressa.
A defensoria, no entanto, afirma que a ausência de lei municipal não justifica o descumprimento de princípios constitucionais nem dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. A recomendação inclui a reabertura das inscrições por 30 dias e a adoção definitiva da política de cotas raciais em concursos municipais.
Leonardo Silva, da Marcha da Negritude Unificada e do Observatório Paraibano Antirracismo, reforça a crítica à omissão do poder público:
“O movimento vem batendo na necessidade de o município de João Pessoa incluir as cotas raciais nos concursos públicos, porque precisamos correr atrás de um prejuízo histórico, e a forma mais fácil e mais direta de fazer isso é através das cotas. Então a gente teve a iniciativa de estar acompanhando os parlamentares em 2020, fazendo análise de projetos de lei, e sempre orientando para que fossem pautadas as cotas. O último projeto que a gente analisou não previa cotas raciais: determinava que só seriam necessárias cotas sociais. Por definição, a pessoa, além de ser autodeclarada preta ou parda, teria que ser de uma comunidade tradicional ou então de uma comunidade carente para poder ter acesso às cotas. A gente criticou muito isso, e daquela época para cá não teve mais articulação com esse projeto.”
Ele explica que, de 2020 para cá, já houve três concursos e nenhum deles teve reserva de cotas para pretos, pardos ou comunidades tradicionais. “A gente quer destacar que isso está vilipendiando nossos direitos, tanto de acordo com a lei federal quanto com a lei estadual da Paraíba, que prevê cotas para concursos públicos na ordem de 20%. Então, nossa crítica é que, nesse meio tempo, já poderia ter havido a aprovação dessa lei. Tanto os parlamentares quanto o prefeito não tomaram a decisão correta no tempo certo em 2020.”
Segundo Silva, o movimento negro tem dialogado com a Defensoria Pública da Paraíba para viabilizar a implementação da reserva de 20% das vagas para cotas raciais em todos os concursos realizados pela Prefeitura de João Pessoa.
Panorama nacional
Casos semelhantes ocorreram em outras partes do Brasil. Em 2024, o edital do concurso da Secretaria de Estado de Educação de Santa Catarina (SED-SC) foi suspenso pela 3ª Vara da Fazenda Pública da capital do Estado para garantir a inclusão de vagas destinadas a pessoas negras, pardas, indígenas e quilombolas. Na Bahia, por outro lado, a política de cotas está consolidada: desde 2014, concursos estaduais destinam 30% das vagas a candidatos negros. O Rio de Janeiro e o Distrito Federal também possuem leis estaduais e distritais que garantem cotas raciais nos concursos públicos, independentemente da existência de lei federal.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, pessoas negras (pretas e pardas) representam 56% da população brasileira, mas são apenas 35,6% dos servidores públicos civis. Em cargos de maior prestígio, como auditoria e magistratura, esse percentual cai para menos de 20%.
A Defensoria Pública da Paraíba deu um prazo de cinco dias úteis para que a prefeitura de João Pessoa se manifeste sobre a recomendação. Caso não haja resposta ou ação concreta, medidas judiciais devem ser adotadas para garantir o direito à igualdade de acesso ao serviço público. O documento é assinado pelos defensores públicos Aline Mota de Oliveira e Denis Fernandes Monte Torres. A recomendação foi divulgada na última segunda-feira (5), mas, de acordo com a defensoria, ela foi emitida no dia 30 de abril.
O Brasil de Fato PB entrou em contato com a prefeitura de João Pessoa, via secretaria de Comunicação, mas não obtivemos resposta até o momento da publicação. O espaço segue disponível para manifestação.