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De Vera

Risco de desertificação da Caatinga pela ação do homem é uma preocupação real e urgente

'A seca é da natureza, a desertificação não' diz Rafael Giovanelli, que conversou com o BdF sobre a essa situação

Dia 28 de abril é celebrado o Dia Nacional da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro e que abriga uma biodiversidade muito rica e que também tem papel fundamental na cultura e na vida do povo do Semiárido brasileiro. Mas qual a importância da preservação desse bioma? Quais os riscos e cuidados necessários para a sua proteção? Qual a importância de quebrar certos estereótipos e garantir políticas públicas para a sua salvaguarda? Para responder essas e outras perguntas vamos conversar hoje com Rafael Giovanelli, gerente de Pesquisa do Instituto Escolhas.

Confira a entrevista

Brasil de Fato: No dia 28 de abril é celebrado o Dia Nacional da Caatinga. Qual a importância de celebrar essa data?

Rafael Giovanelli: O Dia da Caatinga é um dia de conscientização. Os brasileiros já estão preocupados, já tem orgulho quando a gente fala da Amazônia, da Mata Atlântica, do Pantanal. As pessoas se importam quando o Pantanal pega fogo, quando sobem as taxas de desmatamento na Amazônia, mas com a Caatinga, infelizmente, essa preocupação é menor e as políticas de proteção da Caatinga, de desenvolvimento sustentável da Caatinga, de apoio aos povos da Caatinga ainda não têm a mesma prioridade que as políticas de outros biomas, inclusive, as muitas políticas da Caatinga estão bastante defasadas.

A gente precisa valorizar a Caatinga, valorizar os povos da Caatinga e a gente só vai conseguir fazer isso dando visibilidade para esse bioma, reconhecendo suas riquezas e por isso é muito importante celebrar o Dia da Caatinga.

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O que caracteriza o bioma Caatinga?

A Caatinga é uma floresta seca. É um bioma que tem um regime de chuva irregular, com longos períodos de seca, e as árvores perdem a folhagem para sobreviver à seca e é daí, justamente, que vem o nome Caatinga. Caatinga, em tupi guarani significa ‘Mata Branca’, porque quando as florestas perdem a folhagem ficam só os galhos brancos. Depois, quando volta a chover, a folhagem volta a crescer e a mata volta a ficar verde.

Essa dinâmica de adaptação à seca é bem presente na fauna também. Os peixes rivulídeos, que se enterram nos períodos de seca, ficam enterrados durante a seca e depois, quando as águas voltam a subir, eles voltam a aparecer, a nadar, por isso são conhecidos também como peixes das nuvens, ou peixes dos céus.

A Caatinga tem essa marca de ser resiliente à seca. A Caatinga tem essa capacidade da vida se adaptar a longos períodos de seca. Agora, a Caatinga é muito diversa. Tem muitos tipos de solo, tem muito tipo de vegetação que varia de região para região. A Caatinga tem mangue, tem savana, tem floresta, a paisagem na Serra do Araripe, no Ceará, que é muito diferente da paisagem da Serra da Capivara, no Piauí, por exemplo, mas a grande marca da Caatinga é a resiliência.

Em qual região do Brasil esse bioma pode ser encontrado?

A Caatinga está principalmente no Nordeste. Ela tem ocorrência em praticamente todos os estados do Nordeste, menos no Maranhão, e a Caatinga aparece também no norte de Minas Gerais. No total, se a gente considerar o Brasil inteiro, a Caatinga cobre 11% do nosso território. É um bioma bastante importante para o Brasil.

Quais os estereótipos ainda existentes sobre esse bioma?

A Caatinga, infelizmente, ainda carrega um estereótipo de ser um bioma pobre e degradado, de pessoas que vivem uma vida muito dura, sofredoras. A gente não pode ignorar que as secas na Caatinga são severas, que as pessoas enfrentam desafios diante das secas. As secas na Caatinga são sérias e precisam ser olhadas com muita atenção, principalmente, pelos nossos governantes. Mas a Caatinga é um bioma que é rico, é resiliente. Os povos da Caatinga têm muito a ensinar para o mundo, especialmente, em um momento que a gente vive uma crise do clima. A Caatinga precisa ser vista como uma potência que ela é, e ela precisa ser bem cuidada.

E qual a importância de quebrar esses estereótipos?

O risco de se enxergar a Caatinga como um bioma pobre é que se você não valoriza a Caatinga, se você acha que não tem nada lá, você não cuida da Caatinga, você deixa de conservar esse bioma, você acha que desmatar a Caatinga não tem problema, você deixa de implementar políticas de desenvolvimento sustentável para valorizar as culturas dos povos da região.

A Caatinga, vale lembrar, é o lar de 32 milhões de brasileiros, e ela cumpre uma função importante também para a gente mitigar as mudanças climáticas. A gente precisa valorizar a Caatinga. Se a gente não se importar com o avanço da fronteira do desmatamento a gente vai transformar a Caatinga, a gente vai transformar o Sertão num deserto, em algo que ele não é. As secas são processos naturais. A seca é da natureza, a desertificação não. A desertificação é responsabilidade dos seres humanos. Se a gente não valorizar a Caatinga, se a gente degradar a Caatinga, a gente vai transformar o Sertão em deserto e nós, seres humanos, seremos responsáveis por uma catástrofe humanitária e por um colapso econômico. A gente precisa valorizar e cuidar da Caatinga e dos seus povos.

De acordo com o Instituto Escolhas, a Caatinga é um bioma severamente ameaçado pelas mudanças climáticas e que com o aumento das temperaturas e as alterações nos regimes de chuva, a Caatinga pode se tornar um deserto. Gostaria que você explicasse melhor sobre a questão das ameaças da possibilidade da Caatinga se tornar um deserto.

O Brasil mapeou as áreas que podem virar desertos. Mais da metade delas estão na Caatinga, parte disso é resultado das mudanças climáticas, porque as mudanças climáticas mudam o regime, a frequência das chuvas, tornam as chuvas mais irregulares e as mudanças climáticas também aumentam a temperatura da terra, então, uma parte do problema vem das mudanças climáticas, mas a outra parte é responsabilidade nossa, é resultado direto do desmatamento na Caatinga.

Esse é um problema real e urgente?

Real e urgentíssimo. Já nos anos de 1980, há mais de 40 anos, o Brasil identificou quatro regiões com alto risco de desertificação. Essas regiões ficaram conhecidas como os ‘núcleos de desertificação’. São elas: Gilbués, no Piauí; Irauçuba, no Ceará; Seridó, no Rio Grande do Norte; e Cabrobó, em Pernambuco.

Recentemente, o município de Chorrochó, na Bahia, foi reconhecido como a primeira região do país a se tornar Árida. Passou do Semiárido, que é o clima típico da Caatinga, para o Árido. É um clima quase desértico e isso foi reconhecido por instituições sérias do governo brasileiro, instituições respeitadas.

A desertificação está acontecendo nesse exato momento e a gente precisa agir com urgência para proteger a Caatinga e sua população.

E o que é que é preciso fazer para reverter essa situação?

A gente precisa acabar imediatamente com o desmatamento na Caatinga e a gente precisa restaurar, em grande escala, as áreas que foram desmatadas na Caatinga, especialmente, nas nascentes e nas beiras dos rios.

O replantio das matas, das florestas é a melhor tecnologia, melhor ferramenta, melhor instrumento que a gente tem para enfrentar as mudanças climáticas, para proteger as águas e para combater a desertificação, e replantando as matas e as florestas, a gente ainda pode produzir alimentos, emprego e renda para o povo da Caatinga.

Existe um Projeto de Lei, o PL 1990/2024, que institui uma Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga. O que é esse PL?

O Projeto de Lei em 1990/2024 é de autoria da Senadora Janaína Farias, do PT Ceará, e teve aporte, subsídios do Instituto Escolhas. O projeto é uma proposta de nova legislação. É uma nova legislação para colocar a Caatinga e a população dela como uma prioridade para o nosso país. Se o projeto for aprovado, a recuperação da vegetação da Caatinga passa a ser um objetivo que todos os governantes terão que perseguir. Qualquer governante vai ter que buscar a recuperação da Caatinga, a recuperação da vegetação, a segurança hídrica, a produção sustentável de alimentos, replantar as florestas, replantar as matas, garantir que haja água para as pessoas que vivem na Caatinga, produzir alimentos de forma sustentável na Caatinga, tudo isso se torna um objetivo para o nosso país.

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