A Feira Nacional da Reforma Agrária, que acontece até este domingo (11) em São Paulo (SP), reúne 180 cooperativas, 120 agroindústrias e 1,9 mil associações de produtores, que têm em sua cadeia o trabalho de 400 mil famílias. O setor produtivo da agricultura familiar com origem na reforma agrária vem, a cada feira, diversificando a produção e apresentando novos produtos. E a Feira do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é a plataforma para que os consumidores entrem em contato com as novidades.
Nesta sexta-feira (9), um evento reuniu produtores ligados ao MST, apoiadores do movimento e integrantes do governo federal para o lançamento de alguns desses novos produtos.
“A Feira da Reforma Agrária só é possível porque todas as forças políticas que estão em favor da República estão aqui, representadas as instituições e também a militância social deste país”, disse Elias Araújo, do MST do Maranhão. “Nós fizemos questão de trazer esses produtos e eles falam por si só. A gente devia destacar algumas coisas. A primeira é que os produtos falam, já vão mostrando a geografia do desenvolvimento do nosso país, a identidade política da classe trabalhadora, o nosso conceito de alimento saudável”, seguiu.
“Nós queremos fazer o movimento que a gente está chamando de massificação da agroecologia, mas a gente tem consciência de que só é possível colocar produto na mesa de todos os brasileiros se tivermos um grande movimento de massa envolvendo políticas públicas, envolvendo as nossas cooperativas, envolvendo a sociedade civil organizada, porque nós sabemos que vencer a guerra contra os alimentos ultraprocessados não é fácil”, afirmou.

Entre os representantes do governo Lula presentes estava o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. Ele celebrou a feira como um palco para a pauta da reforma agrária. “Essa feira demonstra que se a gente quer alimentar o povo brasileiro, se a gente quer que o povo brasileiro tenha uma cultura alimentar vasta e extensa, se a gente quer acabar com a pobreza do Brasil, desenvolver esse país, industrializar esse país, a reforma agrária é central”.
Produção diversificada
Da Bahia e do Pernambuco vem o flocão de milho crioulo, produzido pelas cooperativas Terra Justa e Normandia. Do Paraná, a Campo Vivo traz farinha de mandioca. A Raízes da Terra, de São Paulo, tem na lista fubá, farinha de mandioca e feijão carioca. Do Rio Grande do Sul, a Copermate apresenta a erva tradicional dos gaúchos em diversas apresentações.
A Coopaesp, do Maranhão, traz diversos produtos derivados do coco babaçu, como biscoito, peta (um tipo de biscoito), óleo e até café. Do mesmo estado, o grupo de mulheres Resistir e Produzir, ligado à Associação dos Produtores Rurais do Assentamento São Domingos, apresentou a geleia de juçara. Elas também têm entre seus produtos as geleias de abacaxi e de cajá.
De Minas Gerais, mais especificamente do Vale do Rio Doce, a Cooperativa Camponesa do Médio Rio Doce (Cooperuatu) lançou uma linha de polpa de frutas in natura congeladas. Por estarem em área atingida pela tragédia de Mariana, onde o rompimento de uma barragem em 2015 matou 19 pessoas e devastou o rio Doce, os produtores receberam compensações financeiras para desenvolver a agroindústria. Além disso, o Programa de Agroecologia da Bacia do Rio Doce do MST atua nas frentes de educação, reflorestamento e processos produtivos para incentivar a transição para uma agricultura sem veneno.
Até o início deste ano, a cooperativa produzia alimentos in natura e tinha a capacidade de fazer o processamento mínimo. A mandioca, por exemplo, era vendida descascada e congelada. Agora, com a aquisição de uma despolpadeira, eles puderam agregar maior valor à produção de frutas. O objetivo é seguir expandindo as possibilidades produtivas. “Começamos com as frutas em fevereiro deste ano, é uma construção de dois anos”, diz João Leite dos Santos, da Cooperuatu. “Agora é melhorar a capacidade produtiva e equipamentos para aumentar a produção”.

A Cooperamuns, que é da região cearense de Inhamuns e faz parte da marca Terra Conquistada, apresentou seus cortes de carne de ovinos (ovelhas e carneiros) e caprinos (cabras e bodes). A produção envolve nove cidades, 62 assentamentos e 5,6 mil famílias. “Buscamos envolvimento para ter o processo agroindustrial. Agora temos abatedouro e frigorífico”, explica Antônio José, que é da Cooperativa Central, que também está sob o guarda-chuva da Terra Conquistada. Ele explica ainda que o abate dos animais é feito de acordo com as melhores práticas para o bem estar dos animais.
Antes da aquisição dos equipamentos e da certificação das instalações, as famílias vendiam os animais vivos para atravessadores. A mudança aumentou a arrecadação. “Estamos com uma média de 25 abates por dia e temos como chegar a 50”, afirma, mostrando que há espaço para crescimento. “Já abastecemos o mercado convencional no Ceará e queremos chegar em todo o Nordeste”, diz.
Outra participante do evento foi a sorveteria paulista Gelado do Campo/Escola Sorvete. Francisco Santana, mestre sorveteiro, afirma que seu objetivo é fazer o debate sobre custo e qualidade da alimentação. “Não uso glucose, nada de transgênico. Uso ingredientes como araruta, goma guar. Sem corantes, emulsificante”, diz. “Sorvete é uma estratégia diferente de militância. Eu quero conversar sobre a qualidade dos alimentos com todo mundo”, afirma Santana. A marca vai abrir uma loja em São Paulo.

Edegar Pretto, presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), lembrou que a produção de alimentos básicos no país caiu. “O Brasil, ao longo dos últimos 10 anos, perdeu mais de 1 milhão de hectares de arroz. Outro tanto parecido com esse com lavoura de feijão. Foi diminuindo a lavoura plantada com alimento do nosso consumo interno”, disse. Ele afirmou que as políticas do governo de Jair Bolsonaro (PL) deram prioridade às commodities, e que os agricultores, mesmo os pequenos, direcionaram a produção para esse tipo de cultura.
O presidente da Conab afirmou que, no início do governo Lula, abriu uma chamada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que tinha a previsão de comprar uma valor de R$ 250 milhões para cooperativas e associações. “A procura por parte dos produtores foi imediata e ultrapassou R$ 1 bilhão”, contou.
Ele afirmou que a Conab está finalizando a operacionalização de R$ 1,04 bilhão para o mesmo programa, e que a demanda foi mapeada em R$ 1,89 bilhão. “Pelo que foi a última chamada [em relação a] do que foi essa, vocês se preparem, podem plantar, botem a semente na terra, façam germinar, colham, plantem, que o Lulinha garante. Nós vamos comprar pro PAA, para as cozinhas solitárias, para a alimentação das escolas, para os hospitais”, garantiu aos produtores. Ele afirmou ainda que o governo federal quer fazer aquisições do PAA para abastecer as Forças Armadas.
Finapop
A maior parte dos produtos apresentados no evento tem financiamento do Finapop, uma plataforma de investimentos que oferece crédito a juros baixos para cooperativas agroecológicas. “O Finapop, que é o que nós temos de mais inovador no debate sobre crédito nesse país”, disse Elias Araújo, do MST.
Eduardo Moreira, que participou da concepção do Finapop, afirmou que a ideia de oferecer linhas de financiamento para a agricultura familiar agroecológica surgiu em 2020. “Falei para o [João Pedro] Stedile: ‘A gente tem que criar uma estrutura que funcione para isso, mas que possa funcionar para tudo depois, porque aí a gente tem o trabalho uma vez de fazer e depois tem uma coisa que vai se multiplicar. Pode ser uma mudança estrutural”, contou. “A gente não imaginou naquele dia que estaria aqui, com tudo isso assim germinando”, comemorou, apontando para os produtores presentes.