Na noite de 30 de abril, o procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU) Gilberto Waller Júnior recebeu um telefonema do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para uma missão desafiadora: assumir a presidência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em um momento de profunda crise na instituição, após a revelação de um esquema bilionário de fraudes nos chamados descontos associativos.
“É um desafio enorme que todo profissional, todo técnico gostaria de enfrentar, mas talvez não nesse momento de crises, de páginas policiais, de fraude”, declarou o novo presidente do INSS, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Na conversa, Waller comenta os resultados das investigações, explica o plano de ressarcimento dos descontos irregulares e diz esperar, em breve, ver o INSS fora das páginas policiais. “Só com a união de todos os servidores do INSS que a gente vai conseguir virar essa página e demonstrar que o INSS não é para a página policial, mas sim para uma página efetivamente de política social, de entrega de política social de qualidade.”
Confira a entrevista:
Como é assumir essa missão de dirigir a instituição em um momento de profunda crise por conta desses escândalos de corrupção envolvendo, inclusive, servidores da autarquia?
Desde quarta-feira, dia 30 de abril à noite, tudo é muita surpresa para mim. Eu não esperava, não tinha nenhuma perspectiva de me tornar presidente. Quando convocado pelo presidente da República para essa missão, eu já percebi que minha vida tinha mudado. É um grande desafio, acho que um desafio enorme que todo profissional, todo técnico gostaria de enfrentar, mas talvez não nesse momento de crises, de páginas policiais, de fraude. O INSS é muito mais bonito que isso. O INSS é para garantir direito. O INSS é para conceder benefício, para manter pessoas. E é muito triste ver o INSS na página policial. Isso traz um pouco de agonia para poder tentar virar logo a página e poder fazer um projeto de reorganização do INSS.
Embora haja um esforço evidente do governo em afirmar que as fraudes começaram no governo anterior, muita gente se pergunta: por que houve tanta demora na desarticulação dessas fraudes, já que se tinha conhecimento dessas irregularidades desde março de 2023?
Então, é isso que a Polícia Federal, a CGU [Controladoria Geral da União], o Judiciário e a AGU têm se debruçado. Qual a razão? Qual o motivo disso? Provavelmente o motivo é aquilo que a gente viu nas páginas de jornais: carros importados, luxo, dinheiro, sacola de dinheiro. Infelizmente isso foi constatado pela polícia. Mas eu acho que também o INSS falhou e falha na sua regra de governança. Por isso que a gente vem alterando a estrutura do INSS para que a gente tenha uma regra de governança mais clara, mais transparente.
Eu preciso ter indicadores de reclamação do usuário. O usuário do serviço público é o termômetro para a gente saber se alguma coisa está saindo correta ou não. É ele que aponta. É importantíssimo a gente ouvir o que o cidadão está falando por todos os canais, seja pela Ouvidoria, seja pelo canal 135, seja pelo Meu INSS. Isso é uma questão fundamental, a gente sair da inércia com foco no cidadão.
Os chamados descontos associativos, alvos da Operação Sem Desconto, foram viabilizados a partir de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) entre essas associações e o INSS. Os ACTs também passaram a ser questionados desde a revelação dessas fraudes. Do que se trata? Esses acordos são, em si, ruins?
Como regra, o Acordo de Cooperação Técnica é fundamental para relação público-privado, para que uma entidade privada que venha prestar serviço ao nosso cidadão possa ter uma parceria com o INSS, uma parceria clara, transparente. O acordo de cooperação técnica por si só não é grave. O que é grave é você assinar Acordo de Cooperação Técnica com entidades fantasmas, com entidades inexistentes, com entidades que não têm o mínimo de garantia de que ela presta algum serviço àquele associado. Não tem como ter uma relação promíscua com essa entidade. Não tem como receber dinheiro, receber presente, ir pra festa, ser condecorado. Isso é uma relação que, como falei anteriormente, a governança tem que funcionar, tem que falar: “Até aqui vai o seu limite, até aqui não pode funcionar”.
O Acordo de Cooperação Técnica é fundamental para o Estado funcionar. A parceria público-privada é fundamental para trabalharmos, cada um com seu objetivo, mas os dois, pensando no cidadão, no bem público, no bem desse cidadão. Então, o Acordo de Cooperação Técnica não tem que ser tratado de forma pejorativa, demonizado, mas tem que ser celebrado com entidades sérias, com entidades que funcionem, com entidades que estejam com único objetivo de buscar o bem do seu associado.
No caso dos trabalhadores rurais, por exemplo, esses ACTs foram os responsáveis pelo acesso aos direitos previdenciários, certo?
Em relação aos trabalhadores rurais, isso começa em 1994. Era necessário, tinha uma lei diferente. Eu trabalhava na época no Ministério Público de São Paulo. Para você conseguir a comprovação do vínculo de trabalhador, você precisava de uma certidão do sindicato ou da associação, e era o Ministério Público Estadual que homologava isso.
Então, desde a época que eu trabalhava no Ministério Público Estadual lá em Taubaté, eu tinha contato com esses com esses vínculos associativos e foi fundamental para um povo que era marginalizado da Previdência. Com a Constituição de 88, veio a possibilidade da aposentadoria rural. A lei de 1991 reforça esse direito e a forma como se operacionalizou inicialmente foi assim, através de acordos homologados via Ministério Público, em que se comprovava o tempo de trabalho rural através de uma certidão do sindicato ou da associação tempo rural. Lembro bem desse período, apesar de já ter mais de 30 anos essa situação vivenciada.
Então isso foi fundamental para dar uma certa segurança aos trabalhadores. E esses acordos foram evoluindo desde 94, trazendo direitos, coisas boas. E agora uma situação que a gente viu que muitas entidades utilizam de maneira inadequada para poder se enriquecer, se locupletar, fraudar, tirar dinheiro de quem mais precisa para luxos pessoais.
Sobre o ressarcimento dos aposentados e pensionistas, na semana passada foi anunciado um plano para a depuração da legalidade desses descontos e a devolução dos descontos aos segurados. Como vai esse processo e qual a sua expectativa para a finalização dele?
Bom, o primeiro passo foi tranquilizar 27 milhões de brasileiros. Nós soltamos, na última quarta-feira, uma mensagem pelo aplicativo Meu INSS, afirmando: “Fique tranquilo, você não teve desconto algum”, porque como a ação policial chegou fortemente na mídia, muitos ficaram inseguros, pensando: “Será que eu sofri algum desconto no meu benefício e não estou sabendo? Será que eu também fui objeto de fraude?”. Então a primeira coisa foi mandar uma informação para falar: “Você não faz parte desse bolo, você pode ficar tranquilo, você não precisa procurar os canais”. Então, foi uma informação ativa para esse cidadão para que, não só ele, ele e sua família, possam ficar tranquilos, porque muitas vezes ele sustenta a família, muitas vezes ele colabora com o sustento familiar. Então, para poder tranquilizar, 27 milhões foram avisados.
Na próxima terça-feira [13], avisaremos 9 milhões de pessoas que tiveram algum desconto associativo no período. Isso não quer dizer que esses 9 milhões foram vítimas de fraude, são 9 milhões que tiveram desconto. E o INSS está chamando esse cidadão para poder ver: “Olha, foram esses descontos dessas associações, você confirma ou não? Foi juntada a documentação ou não? Você sabia ou não?”
Como falado anteriormente, a gente tem vinculação ativa desde 1994 e não havia esse boom de reclamação, esse boom de informação de que o vínculo era falso. Isso foi uma crescente agora e explodiu com essa operação. Mas a gente precisa ouvir esse trabalhador se ele confirma ou não aquele vínculo para tomar as medidas.

A partir do momento que esse segurado informar que aquele vínculo ele não autorizou, o INSS vai cobrar providências da instituição para que junte a comprovação demonstrando que não foi uma fraude ou então que faça o ressarcimento de imediato para o nosso segurado.
No início das investigações foi divulgado um valor de mais de R$ 6 bilhões em supostas fraudes. No entanto, nos chamou a atenção que esse valor se refere ao total de descontos associativos das 31 organizações que têm ACTs firmados com o INSS. Na semana passada, houve uma tentativa de separação do joio e do trigo, ou seja, passou-se a falar de 12 organizações e um valor de R$ 2,5 bilhões. Poderia explicar essa diferença de números?
Na verdade, esse procedimento vai valer para todas as associações, estando investigadas ou não. Essa é a hora de passar limpo essa situação, a hora de deixar claro e nenhuma associação vai ficar fora, mesmo não estando sendo investigada pela Polícia Federal, mesmo não tendo sido objeto de apuração pela Controladoria Geral da União. Isso é importante.
Quanto à questão de R$ 6 bi ou R$ 2 bi, o que a gente levantou é o seguinte: qual é o teto máximo que essa fraude pode alcançar? R$ 5,9 bi, sem correção, que corresponde a 100% dos vínculos associativos naquele período de 5 anos. Quero acreditar, tenho certeza que isso vai acontecer, não será 100%. E qual o percentual? 30, 40, 50, 60, 70, 80%… Talvez algumas instituições tenham um percentual menor por irregularidades, talvez algumas instituições não tenham irregularidades, mas talvez algumas instituições tenham sido 100% de fraudes.
Por isso a gente precisa desse auxílio do nosso segurado para ver o que está sendo descontado, para ter maior transparência e falar: “Essa instituição eu não conheço”. Para podermos levantar o real de prejuízo.
Há relatos de criminosos que estão se aproveitando desse momento para aplicar golpes nos segurados. O que os aposentados e pensionistas do INSS precisam saber e quais medidas devem tomar para evitar esses golpes?
No momento de crise, no momento em que os nossos segurados já estão sofrendo, já estão ansiosos, pessoas aproveitam para isso. Por isso, os únicos canais que o INSS tem de contato com o nosso segurado é pelo aplicativo Meu INSS, que tem que ser baixado na loja oficial, seja para Android ou iOS, ou ainda quando ele liga para a central 135. O INSS nunca faz a ligação, o INSS nunca manda mensagem, o INSS não manda mensagem de WhatsApp, o INSS não manda e-mails. Então não assine nada, não junte qualquer documento, você vai ser fraudado, você cairá num segundo golpe. A gente vem avisando que os canais oficiais são esses dois, única e exclusivamente. Qualquer outra procura é fraude. Denuncie, não caia nisso.
Quase simultaneamente ao caso das fraudes nos descontos associativos, também foi revelado um esquema de empréstimos consignados ilegais, o que gerou ainda mais confusão e angústia para muitos aposentados e pensionistas. Sobre esse caso, o que o senhor tem a dizer?
Bom, os dois procedimentos são bem diferentes. Na questão do desconto associativo, uma associação informa que ele tem um vínculo associativo e desconta a mensalidade no valor médio de R$ 39, R$ 40 por mês. A questão do empréstimo consignado é que o INSS, visando possibilitar uma taxa de juros mais barata para o nosso segurado, ele faz um convênio com as instituições financeiras, possibilitando que, caso o nosso aposentado, nosso pensionista, nosso beneficiário queira, desbloqueie seu benefício e contrate uma operação de crédito diretamente com a instituição financeira.
É uma situação em que, se a instituição financeira verificar qualquer situação de fraude, ela vai fazer o ressarcimento, não é o INSS. O INSS, nessa situação, tem o papel de facilitar e discutir taxas de juros menores. Ele não faz parte da negociação, ele não empresta dinheiro. São instituições financeiras regulamentadas pelo Conselho Monetário, fiscalizadas pelo Banco Central, fiscalizadas pela Febraban [Federação Brasileira de Bancos], a ABBC [Associação Brasileira de Bancos], com regras próprias e rígidas.
Não poderia deixar de perguntar sobre algo que é, talvez, uma das maiores reclamações dos segurados do INSS: as filas. Sua gestão está preocupada com isso? Tem um plano para reduzir a demora nos processos de concessão de benefícios, perícias etc?
Esse deveria ser o único assunto do INSS: como melhor tratar o nosso segurado. Na verdade, isso é uma demanda, isso é uma obrigação do INSS e reforçada pelo presidente Lula: que efetivamente a gente tem que tratar o nosso segurado melhor.
Acho que uma das falhas que ocorreu no INSS ao longo do tempo foi não pensar na especificidade do nosso segurado. Ele não é um segurado que está nas redes o tempo inteiro, não é um segurado que tem uma funcionalidade de uso da internet, não consegue acessar muito rapidamente. Por causa disso, a gente está mudando estruturalmente o INSS para pensar no retorno da Diretoria de Atendimento, em substituição à Diretoria de Tecnologia da Informação.
A gente tem que monitorar, pensar em como facilitar ao nosso segurado. Para isso, todos os fluxos, procedimentos, têm que ser revistos. Não é uma revisão dos processos de concessão de benefícios, mas sim, de fluxos e procedimentos para que a gente possa ter mais segurança e mais agilidade. Aquilo que eu puder automatizar, eu vou automatizar, mas eu tenho que ter o contato direto entre INSS e segurado. Eu não posso ter uma realidade de 70% das nossas agências fechadas, e colocando o segurado na mão de intermediários que muitas vezes servem para fraudar.
Há alguns grupos políticos que têm explorado esses fatos relacionados ao INSS para desgastar o governo e a própria autarquia. Como fica a imagem da instituição e como vocês estão lidando com esses ataques?
O INSS é uma casa de concessão e manutenção de benefícios previdenciários. Nós temos 41 milhões de benefícios hoje vigentes. Nós possibilitamos que muitas cidades funcionem, nós possibilitamos que muitas pessoas tenham sua subsistência, e não é um favor. Na verdade, o INSS nada mais faz do que pegar aquilo que o nosso segurado, que o nosso trabalhador contribuiu mês a mês durante sua vida inteira e retornar para que ele tenha um período mais tranquilo após sua aposentadoria e pensão, uma maior garantia.
Então, quando se desgasta esse regime de Previdência, na verdade, quem está sendo afetado é essa pessoa que fica vendo notícias e fica inseguro, fica ansioso, o que gera doença. Então, é um crime contra essas pessoas. Nós todos, e não falo só de mim, mas falo de todos os nossos servidores do INSS, já estamos fazendo e vamos fazer ainda mais para trabalhar em prol do nosso segurado.
Só com a união de todos os servidores do INSS que a gente vai conseguir virar essa página e demonstrar que o INSS não é para a página policial, mas sim para uma página efetivamente de política social, de entrega de política social de qualidade. Para isso, a gente vem trabalhando em duas frentes: resolver essa situação do passado, sair da página policial e trazer uma agenda positiva para os nossos segurados.