Há um consenso na sociedade que romantiza o papel social das mães. E é meio nadar contra a corrente afirmar que grande parte desse papel deveria ser desempenhado também pelos pais, pela sociedade e pelo Estado. E por mais que a realidade evidencie que há vários modelos de família, datas como essa tendem a reafirmar o modelo idealizado, heteronormativo, cisgênero e binário da família de propaganda de margarina.
Então, ao mesmo tempo que questionamos os modelos de família, também denunciamos as violências sofridas pelas mães. Mães trabalham e são levadas a se digladiar com o tempo. Aos olhos dos filhos, grandes heroínas. Como que com tão baixo salário, sozinha, passando longas horas no transporte público, num trabalho precário e degradante, ela cozinha, arruma, lava, me cria? Mágica!
Mães trabalham. E trabalho doméstico e de cuidados também é trabalho. Acontece que, no sistema patriarcal que vivemos, combinado com o capitalismo e o racismo, opera na base da organização do trabalho um tipo de norma social que chamamos divisão sexual do trabalho. Não é uma mera divisão, pois que trabalhos atribuídos ao grupo social homens são valorizados em detrimento dos trabalhos atribuídos ao grupo social mulheres, então há também uma hierarquia.
No caso do trabalho doméstico e de cuidados, além de desvalorizados, sequer são reconhecidos e visibilizados. Sabe aquele trabalho que todos reparam só quando não é feito? Acontece que eles são essenciais para a reprodução da vida humana e se fossem medidos de forma monetária correspondem a grande parte do produto interno bruto (PIB) de um país.
Mulheres no mundo todo dedicam em média 10 horas a mais ao trabalho doméstico e de cuidados do que os homens. A diferença entre mulheres e homens no tempo dedicado a estes trabalhos aumenta se a mulher é mãe e se é casada. Chega a ser inacreditável que mulheres casadas gastam mais tempo com trabalho doméstico do que mulheres solteiras. Os homens, além de não fazerem o trabalho, ainda sobrecarregam mais as mulheres.
Há sinais de reconhecimento de direitos e garantias às mães. Mas há muito o que se avançar ainda. Temos a licença-maternidade e temos a estabilidade no emprego, que vai desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, o que significa que a empresa não pode demitir a trabalhadora sem justa causa durante esse período – mas há relatos de descumprimento desses direitos.
Ao mesmo tempo, a diferença é enorme dos dias de licença maternidade (em geral, 120 dias) para a licença paternidade (apenas cinco dias). Essa é uma mensagem muito nítida de como as diferenças de papeis de gênero organizam nossa sociedade ainda hoje.
Por falar em papeis de gênero, por que não falar desse momento muito delicado pelo qual passa nossa sociedade, com o aparecimento do neofascismo a nível mundial?! Isso tem uma ligação com a crise do capitalismo e do imperialismo, mas a gente pode falar disso em outro momento. Por ora, é importante demarcar que várias manifestações dessa crise são visíveis também no aumento da violência de gênero, na misoginia. Essa violência está intrinsecamente ligada à reafirmação de como um “homem” deveria se comportar e de como uma “mulher” deveria se comportar.
Se a fumaça é rosa, nascerá uma menina. Se a fumaça é azul, nascerá um menino. Tem algo mais violento do que essas expectativas desde o feto na barriga? A “menina” vestirá rosa e ganhará bonecas e utensílios de casa. O “menino” vestirá azul e ganhará carros e super-herois. Quais as implicações dessa pressão numa futura família e na divisão dos cuidados com futuras crianças?
Ao ultrapassado chá-revelação, se somam os “legendários”, bebês reborn, cleans girls, esposas-troféus, tudo tentando reafirmar as performances esperadas para homens e mulheres, cabendo a estas as tarefas de cuidados, domésticas, no lar. É muito funcional para o patriarcado, ao racismo e ao capitalismo ter uma ideologia que coloca como natural e desejável mulheres em casa e exercendo trabalhos de forma gratuita. Isso que chamam de amor é trabalho não pago.

O Dia das Mães é no mês da classe trabalhadora. Mães trabalham e muito – e o trabalho que realizam beneficia toda a sociedade. Mãe é uma construção social e histórica e o que estamos tentando dizer é que o modelo de maternidade não dá conta de garantir vida digna para as mulheres. Os trabalhos que as mães realizam deveriam ser compartilhados com pais, homens, sociedade e Estado.
Mãe é gente. Tem um monte de sonhos e necessidades para além da maternidade. É uma pressão imensa sobre essas mulheres, pressão que não faz bem para elas e nem para as crianças e afasta a sociedade do exercício de trocas justas e relações solidárias. Tenho notícias de escolas que não celebram o dia das mães, mas nessas datas celebram sempre o dia da família. Sinais de que é possível ressignificar estas datas e parar de botar água no moinho das opressões e violências simbólicas e sutis.
O ano de 2025 é marcado pelo Plebiscito Popular, que discute a redução da jornada de trabalho sem redução de salário e o fim da escala 6×1, além da tributação dos super-ricos rumo a uma maior justiça tributária. A adesão da sociedade aos temas não é em vão: a classe trabalhadora quer vida além do trabalho. Trabalho digno, vida digna. A classe trabalhadora disputa o tempo e devemos também disputar seu conteúdo.
Queremos mais tempo para que homens e mulheres se impliquem nas tarefas domésticas e de cuidados. Queremos mais tempo para que as mulheres vivam livres da violência. Para que descansem, tenham lazer. Para que homens e mulheres vivenciem o comunitário. Para que a comunidade dê conta de cuidar de suas crianças. Para que tenhamos tempo para nos coletivizar e seguir na luta por melhorias no nosso território e rumo a transformação da sociedade.