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Direita conta com a ajuda de Meta e Google para fortalecer sua comunicação 

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Meta e Google aparecem como parceiras do Partido Liberal (PL) brasileiro, do ex-presidente e hoje inelegível Jair Bolsonaro

Por Helena Martins

Nos últimos meses, o alinhamento das grandes corporações tecnológicas, as chamadas big techs, à extrema direita restou explícito. O apoio do X a Donald Trump e à extrema direita alemã e mudanças nas diretrizes de moderação de conteúdos e de políticas para diversidade na Meta são exemplos disso. Agora, Meta e Google aparecem como parceiras do Partido Liberal (PL) brasileiro, do ex-presidente e hoje inelegível Jair Bolsonaro, na realização do 2º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal.

A ser realizado em maio, o seminário busca, conforme divulgação oficial, reunir “profissionais, big techs e estrategistas para mais uma edição dedicada ao fortalecimento da comunicação política de direita”. A ideia é alinhar diretrizes para uma atuação “mais integrada, estratégica e eficiente nas redes, na imprensa e nos territórios”. 

O fato de as empresas tomarem lado na disputa política não é novidade. Seus valores e objetivos são, sempre, os do andar de cima, do capital, ainda que busquem mediá-los ou disfarçá-los em determinados contextos. O que deve gerar indignação é o fato de que essas mesmas empresas controlarem os espaços em que hoje se dão, essencialmente, o debate público, e de operá-los sem transparência e praticamente sem regulação. Nunca tais espaços estiveram tão controlados, a nível internacional, como agora.

O poder das plataformas digitais pode ser percebido pelo seu significativo alcance no país. O Whatsapp é utilizado por mais de 95% das pessoas brasileiras com acesso à Internet, enquanto o Instagram é utilizado por 76%. O país é um dos que mais acessa redes sociais, espaços controlados por empresas, marcadamente transnacionais. Em 2025, as aplicações mais populares no Brasil são o WhatsApp (169 milhões de utilizadores), o Instagram (134 milhões), o Facebook (111 milhões), o Tiktok (98,6 milhões), o Linkedin (75 milhões) e o Kwai (60 milhões). Não custa lembrar que Facebook, WhatsApp e Instagram são todos de propriedade da Meta, uma apoiadora do evento do PL.

A outra, Google, não fica atrás. De acordo com o Kantar Ibope, o YouTube é atualmente o principal serviço de streaming no Brasil, com 19,4% de participação. O Google é, hoje, responsável por 92,7% da quota de mercado, o que significa dizer que praticamente todas as buscas – e o acesso a possíveis resultados – depende da mediação da corporação, que pode escolher ou não mostrar algo. Afinal, ainda hoje não há regulação ou órgãos de controle, o que torna o Brasil bastante vulnerável, situação agudizada por todo o histórico de ausência de debate público sobre a mídia e de políticas de comunicação que favoreçam a comunicação pública e a participação de setores da sociedade comprometidos com uma visão contra-hegemônica na mídia.

Havia a expectativa de que este terceiro Governo Lula  mudasse essa realidade. Afinal, é sucedâneo de um período marcado por um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e de sua própria criminalização e da esquerda a partir da mídia, bem como da manipulação política levada a cabo pelo bolsonarismo e outros grupos conservadores a partir das redes sociais. Contudo, até agora o governo frustrou todas as expectativas até de uma reforma nas comunicações. Diante da explicitação das vinculações políticas das plataformas, espera-se que ao menos se avance na regulação do setor, o que o governo tem prometido desde o início do ano, pelo menos. Não obstante, o que fica evidente é uma total ausência de leitura estratégica sobre as comunicações, seja do ponto de vista econômico ou ideológico (cada vez menos desvinculados, aliás). Basta ver os planos anunciados pelo Ministério da Fazenda de fazer do Brasil um quintal para os data centers das big tech, o que, como apontou Sérgio Amadeu, pode significar a facilitação de acesso aos dados do país por parte de tais corporações. O que tal política parece almejar é a reprodução da subserviência, da participação lateral do Brasil na geopolítica do digital e de sua manutenção como fornecedor de bens naturais (no caso, a água amplamente demandada para o resfriamento dos data centers).

A extrema direita, ao contrário, parece não ter dúvidas do caráter estratégico das comunicações. O seminário partidário (o segundo neste ano – o primeiro foi realizado em fevereiro, em Brasília, e contou com Google, X, Kway e outras corporações) é prova disso. Não deixa de saltar aos olhos o fato de ser realizado no Ceará, estado no Nordeste onde o PT ainda tem se saído vencedor das disputas eleitorais – ainda que com desafios, como visto no caso das últimas eleições, quando o candidato André Fernandes, do PL, da leva de neopolíticos frutos do YouTube, perdeu para Evandro Leitão, do PT, então presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, por um punhado de votos. Basta ver empreendimentos como o Brasil Paralelo e todo o sistema de desinformação, em permanente funcionamento, para saber que a disputa ideológica é vista como central. 

É óbvio que a esquerda não tem o apoio das big techs e de outros grupos, como os religiosos conservadores, que ajudam a desequilibrar essa disputa, mas esse diagnóstico é insuficiente para compreender a situação do nosso campo político. Na verdade, como bem sintetizou José Mujica ao tratar de sua geração: “Acreditamos que a mudança social era apenas uma questão de pôr em causa os modos de produção e distribuição na sociedade. Não compreendemos o imenso papel da cultura. O capitalismo é uma cultura, e temos de responder e resistir ao capitalismo com uma cultura diferente. Outra forma de dizer isto: estamos numa luta entre uma cultura de solidariedade e uma cultura de egoísmo.”. Urge que não esperemos o pós-eleição de 2026 para fazer o balanço dos erros cometidos nessa seara. 

*Helena Martins é professora da UFC, jornalista e integrante do DiraCom

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