A Prefeitura de São Paulo afastou 25 diretores de escolas, em Diário Oficial publicado nesta sexta-feira (23), para participarem de um projeto que integra o Programa Juntos pela Aprendizagem. O objetivo declarado é oferecer formação para que servidores retornem para as suas unidades e promovam um trabalho pedagógico que resulte em melhorias.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Secretaria Municipal de Educação informou que a seleção dos diretores foi feita a partir do desempenho obtido no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e no Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana (Idep) 2023.
“Esses profissionais atuam há, pelo menos, 4 anos em unidades prioritárias, selecionadas devido ao desempenho obtido no Ideb e Idep de 2023. A capacitação, inédita, inclui vivência em outras unidades educacionais e tem como objetivo o aprimoramento da gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes. As unidades contarão com o reforço de mais um profissional na equipe gestora. A remuneração dos diretores será mantida”, informou o texto.
Diretores ouvidos pelo Brasil de Fato e o Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp), no entanto, afirmam que a justificativa para o afastamento “não se sustenta”, uma vez que as escolas escolhidas têm projetos pedagógicos com resultados positivos e que os índices escolhidos não refletem o avanço das unidades no médio e longo prazo.
“Essas avaliações não consideram o Índice de Desenvolvimento Urbano, o desenvolvimento econômico regional e a realidade das escolas. O território e as condições socioeconômicas, ambientais e familiares em que os alunos estão inseridos são ignoradas. As dificuldades vindas das políticas governamentais, ou a da ausência delas, que impõem falta de profissionais, materiais inadequados e insuficientes, manutenção predial precária, entre outros problemas, são tratadas como se não existissem”, afirma Letícia Grisólio, dirigente do sindicato.
“Muitas destas unidades possuem um projeto político pedagógico diferenciado, que dialoga com a realidade e necessidade do território. São unidades que possuem dificuldades, porém têm realizado, dentro das possibilidades, um trabalho pedagógico diferenciado e com resultado positivo dentro das comunidades”, detalha a dirigente.
Duas das escolas que terão os diretores afastados, inclusive, receberam premiações pelo trabalho desenvolvido. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Caio Sérgio Pompeu de Toledo, localizada na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, recebeu a Salva de Prata da Câmara Municipal em maio de 2023, uma das mais importantes honrarias da Casa Legislativa destinada a pessoas e instituições com atuação de destaque na cidade.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Espaço de Bitita, no bairro Canindé, na zona norte do município, tem em seu currículo os prêmios Heitor Villa-Lobos, Territórios Tomie Ohtake, Paulo Freire e Criativos da Escola. A instituição também é parte do Programa das Escolas Associadas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês).
Os diretores ouvidos disseram que não foram comunicados sobre os critérios de seleção, informação que também não consta no ofício publicado no Diário Oficial do Município. “Os índices dessas escolas não são os piores da cidade, mas também não são índices que estão ótimos, o que nos leva a crer que nós não temos um trabalho qualificado para poder continuar”, diz um dos diretores afastados, que prefere não se identificar.
“Nós fomos convocados para fazer um curso de 1,7 mil horas, que nos manterá afastados das escolas, no mínimo, até o final do ano para fazer uma reciclagem. Porque essas escolas foram escolhidas? Na minha ótica, é uma perseguição política”, afirma.
Outro diretor, que também prefere não se identificar na reportagem, disse que a pasta também não informou “nada” sobre o curso de formação, em quais dias será ministrado e qual será o conteúdo. Ele classificou a decisão da gestão de Ricardo Nunes (MDB) como um “movimento de represália” ao trabalho realizado por esses diretores nas escolas.
“A gente faz a semana do 18 de maio contra o abuso, a semana do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]. A gente tem uma atuação no território. É uma escola altamente vulnerável. Metade das famílias dessas crianças recebem Bolsa Família. No posto mais próximo, a gente não tem fonoaudiólogo, psicólogo, neuropediatra. Há uma demora para fazer as consultas”, afirmou o diretor.
“Aumentou muito o número de crianças com deficiência, principalmente com autismo, dentro de sala de aula, e os professores não têm ajuda nisso. Então é toda uma conjuntura que a gente tem que dar conta para conseguir andar com a escola.”
Ele também defende que “essa prefeitura vem assolando toda a rede com determinações e normas que vêm de cima para baixo, sem diálogo com a categoria, sem diálogo com os diretores, sem diálogo com os professores. O princípio da gestão democrática que está na Constituição não é obedecido”.
O Sinesp informou ao Brasil de Fato que está trabalhando juridicamente e politicamente para reversão do que chamou de “forte ataque à educação pública”. “O Sinesp trabalha para garantir ampla defesa dos diretores de escola pois não aceitaremos intervenção nas gestões das nossas escolas.”
A Bancada Feminista do Psol, mandato coletivo na Câmara Municipal de São Paulo, também ingressou com uma ação popular contra o prefeito Ricardo Nunes pelo o que chamou de “afastamento arbitrário” dos diretores. A legenda considera a medida ilegal por supostamente configurar desvio de finalidade e pede a anulação dos seus efeitos.
Para a covereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista do Psol, a “ação da Prefeitura é uma nítida tentativa de intervir na gestão democrática das escolas com o objetivo de preparar a futura privatização de suas gestões, já anunciada por Nunes no inicio deste ano”.