“Eu quero dormir no colo da minha mãe. (…) Eu venho aqui no cemitério para dormir junto da minha mãe. Eu tenho tanta saudade dela (…) Eu peço a ela para sair do túmulo um pouco, para que eu possa beijá-la por um momento, mesmo que seja só por cinco minutos.”
Esta fala é de Zain Youssef, que perdeu sua mãe depois de ataques israelenses em Gaza. Toda noite dorme sobre o seu túmulo.
“Juro por Deus, estamos com muita fome. Nós não temos o que comer. Não temos farinha. Veja as moscas voando sobre nossas cabeças. Vejam minhas pernas. As moscas estão nos comendo vivas.”
É a fala de uma menina palestina com síndrome de down para o jornalista palestino Yahya Sobeih, assassinado pelo exército de Israel alguns dias depois desse vídeo.
Este foi um dos artigos mais difíceis de escrever nesta coluna. Ao fazer a pesquisa de fontes, era tocado a todo momento pelos vídeos, relatos e imagens. A desumanização nua e crua que o povo palestino sofre diante dos olhos do mundo tem uma pitada de perversidade, quando percebemos que essas informações não são devidamente veiculadas na grande mídia.
Eu acredito que muitos que leem este artigo sentem um misto de sentimentos ao tratar do assunto “Palestina”. Em verdade, não tenho conseguido ver os vídeos que chegam do Oriente Médio e, quando me deparo com algum, tenho sentido uma dor física de uma angústia que me corrói por dentro e gera uma repulsa pela minha impotência em não ter qualquer condição de parar isso. É tudo visceral, uma mescla de choro contido e ódio de viver num mundo assim. Nos vídeos desesperados das crianças chorando de fome, espelho meu filho naquele choro, e não consigo ir adiante. Talvez, também seja por isso que devemos ir adiante.
As notícias mais recentes emitidas pela ONU estima que 14 mil bebês podem morrer de desnutrição em 48 horas na Faixa de Gaza. Esta é mais uma medida, do vasto leque de atrocidades do projeto genocida do governo de Israel ao impedir entrada de comida e água nas fronteiras. O que se nota é uma descrença absoluta na sobriedade dos organismos internacionais.
Torna-se desnecessário afirmar o caráter genocida dos ataques israelenses. Se não matam de fome, matam com bomba. Metralham deliberadamente comboios de ambulâncias e hospitais, como destacado na parte 2 do episódio 27 do podcast Medo e Delírio em Brasília. Não por acaso, mulheres e crianças são alvos frequentes dos ataques, é método de extermínio e de guerra.
Pílulas de decência nos afagam em alguns momentos. Na igreja, ao saber que o papa Francisco ligava todos os dias para a paróquia em Gaza para confortar aqueles que sofriam os males da guerra. Nas ruas com manifestações robustas em grandes cidades europeias, chegando a 100 mil pessoas na marcha de Haia.
Este sopro também chegou onde pouco se espera. Nos estádios de futebol. No dia 14 de maio de 2025, o Cruzeiro enfrentou a equipe chilena do Palestino pela Copa Sulamericana no Mineirão. Dois clubes populares formados por imigrantes. A grata surpresa ocorreu quando torcidas organizadas do clube mineiro, puxadas por Comando Rasta e Resistência Azul Popular, recepcionaram os torcedores e se solidarizaram com a causa Palestina recebendo, inclusive, o Embaixador da Palestina no Brasil, Ibraim Mohamed numa confraternização pré-jogo nos arredores do estádio.
Além da recepção, um gesto corajoso e solidário acontece dentro do próprio Mineirão, quando a torcida azul estendeu a faixa com os dizeres “SHOW ISRAEL THE RED CARD” – Mostre o cartão vermelho para Israel –, uma campanha internacional que denuncia o genocídio sofrido pelo povo palestino perpetrado pelo Estado de Israel.
Este bonito abraço da torcida do Cruzeiro no povo palestino, através de um jogo de futebol, não é sobre o Cruzeiro, e, definitivamente, não é só futebol. É sobre ter esperança na massificação da empatia por meio da luta internacional.
É urgente que essa solidariedade ao povo palestino invada outras torcidas e estádios de futebol, entre nas escolas, nas universidades e nas igrejas das mais diversas religiões. Ganhe as ruas e sensibilize as pessoas, para que não se mantenham de costas para o que acontece por lá.
Lembra daquela faixa levantada pelos torcedores? Em poucos minutos a concessionária que administra o Mineirão (Minas Arena) retirou-a da torcida, mas a imagem ficou guardada na retina e coração daqueles que se levantam contra a opressão de um povo, ou seja, dos seus próprios irmãos e irmãs, que do outro lado do mundo, seguem aguardando ao menos, um gesto de solidariedade.
Refaat Alareer, poeta palestino, escreveu seu último poema nas redes sociais, momentos antes de ser bombardeado na Faixa de Gaza:
“Se eu devo morrer, você deve viver
para contar a minha história, para vender minhas coisas
para comprar algum papel, e alguns fios,
para fazer uma pipa, (que seja branca com um longa cauda)
para que uma criança, em algum lugar de Gaza,
olhando o céu, nos olhos
esperando por seu pai que se foi numa chama
sem se despedir de ninguém, nem mesmo de sua própria carne
nem mesmo de si mesmo
veja a pipa, a minha pipa que você fez,
voar lá no alto e pense por um momento
que um anjo esteja ali para trazer de volta o amor.
Se eu morrer, faça com que eu traga esperança
faça com que eu seja uma história!”
Que este gesto da torcida do Cruzeiro seja só o início da chama transformadora que virá tomar conta da sociedade e permitir o encerramento desta guerra com ares de genocídio. Que não tenhamos medo de contar estas e tantas outras histórias na luta por um outro mundo possível e necessário.