A tentativa do presidente Donald Trump de proibir a matrícula de alunos estrangeiros em Harvard revela a face autoritária e historicamente excludente da política migratória dos Estados Unidos. A avaliação é da professora Clarissa Forner, do curso de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
“O que Trump tem proposto encontra respaldo em boa parte no que já tem sido o ‘funcionamento normal’ da política migratória norte-americana, muito excludente desde o século 19. […] O que ele faz é pegar esse respaldo e aprofundar de maneira muito autoritária vários desses elementos, a partir, sobretudo, do dispositivo das ordens executivas”, afirma.
A medida, que foi barrada pela Justiça norte-americana, veio acompanhada da atuação de uma “polícia paralela” em repressão a protestos de estudantes contra o genocídio de Israel na Palestina, com homens encapuzados e sem identificação, além de prisões arbitrárias.
Para a professora, a ação configura um ataque inconstitucional à liberdade de expressão. “É um ataque à liberdade de expressão, que o próprio Trump tanto reivindica, tanto defende, e também seus apoiadores. É também uma política absolutamente anticonstitucional”, analisa.
Política de segurança contra direitos humanos
Forner destaca que a lógica da criminalização da imigração nos Estados Unidos está institucionalizada há décadas, especialmente após os atentados de 11 de setembro de 2001. Hoje, o sistema de emissão de vistos, por exemplo, é coordenado pelo Departamento de Segurança Interna (Homeland Security), reforçando a visão da imigração como um risco à segurança nacional, e não como um direito humano, conforme previsto em tratados internacionais.
Na sua visão, o fato de nomes de estudantes estrangeiros estarem sob vigilância do Departamento de Segurança é uma evidência de que a migração está sendo tratada como uma ameaça. “Não há qualquer justificativa legal ou política que embase esse tipo de de abordagem, que trata a imigração pela lógica da criminalização, da securitização”, ressalta.
Atualmente, cerca de 27% dos alunos de Harvard são estrangeiros. A repressão a esses estudantes ocorre justamente em um momento em que a universidade se coloca como uma das principais vozes críticas ao governo Trump e à escalada autoritária em curso.
Na avaliação da professora, o posicionamento público da Universidade de Harvard em defesa dos estudantes e contra as medidas do governo representa um ato de coragem, principalmente diante do risco de cortes no financiamento federal, um recurso ainda essencial para as instituições de ensino superior nos EUA.
“Isso coloca em jogo uma série de questões, inclusive o financiamento público que essas universidades muitas vezes recebem para os seus programas de pesquisa, para receber esses estudantes”, explica. “Historicamente, essas universidades têm sido marcadas por uma grande recepção de estudantes que vem de várias partes do mundo. Estamos falando de uma mão de obra altamente qualificada, que é importante para os Estados Unidos”, destaca.
Polarização e ambiente de medo
Ao comentar o clima político no país, Forner destaca que a sociedade estadunidense está fortemente polarizada. Enquanto setores mais progressistas, especialmente dentro das universidades, demonstram preocupação e medo, parte significativa da população segue apoiando as políticas migratórias endurecidas.
“Apesar de haver uma percepção de queda da aprovação do Trump na opinião pública geral, existe ainda uma percepção mais favorável da maioria das pessoas para a política migratória. Esse tipo de de medida ainda ressoa positivamente em boa parte dos setores dessa população, por mais contraditório que seja”, pontua.
Ela relata que colegas seus que atuam em universidades dos EUA têm enfrentado um ambiente de intimidação. “Isso é muito negativo, pensando na própria função da universidade como espaço de difundir e construir pensamento crítico”, opina.
Para ouvir e assistir
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