O urbanista franco-colombiano Carlos Moreno esteve recentemente em São Paulo (SP) para lançar o seu livro Cidade de 15 minutos. Na obra, ele propõe a reorganização do espaço urbano de forma que atividades como morar, trabalhar, estudar, cuidar da saúde e desfrutar do lazer possam ser realizadas a poucos minutos de casa.
Sua proposta inspirou, anos atrás, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que com muita luta e perseverança vem tentando, paulatinamente, mudar o paradigma da imposição dos automóveis no desenho da cidade e, consequentemente, dos vícios — ops, hábitos — e rotinas dos parisienses. Afinal, os veículos por lá também são os vilões da expulsão das pessoas do espaço público, além de contribuírem significativamente para a poluição sonora e do ar no ambiente urbano (tema para outra coluna).
Diversas frentes de trabalho e políticas públicas têm sido implementadas para reconquistar o espaço público e mitigar os efeitos das mudanças climáticas nas bandas de lá. Um exemplo emblemático é a disputa pelas margens do rio Sena. Após uma longa batalha judicial, Hidalgo conseguiu abrir parte dessa área exclusivamente para pedestres. Os veículos, que ocupavam o local desde a década de 1960 — pasmem —, foram convidados a se retirar. Vivas pela coragem, ousadia, planejamento e projeto!
Vamos a um outro exemplo europeu. Vale a pena conhecer o projeto denominado de Super ilhas (em catalão) de Barcelona (ESP), que propõe uma revolução na organização do espaço ao fechar algumas quadras para os veículos de modo que a circulação e os espaços públicos sejam exclusivos dos pedestres. Obviamente que esta “ilha” está integrada a uma rede de mobilidade de qualidade, em especial ao transporte público.
São exemplos distintos, mas são evidências práticas – no século 21 – de uma (re)valorização do urbano, da caminhabiliade, do espaço para o encontro entre pessoas e com estímulo ao comércio e aos serviços de rua. Não se iludam: todas elas enfrentaram muitas disputas e debates.
Pois bem. Agora, aterrissamos no Recife com a discussão do momento. Em junho de 2025 será inaugurado parte do Parque do Cais Estelita, oficialmente denominado Parque da Resistência Leonardo Cisneiros. O projeto de requalificação do Cais José Estelita inclui a construção do Parque do Cais, com mais de 33 mil metros quadrados, e do Parque da Memória Ferroviária, com 55 mil metros quadrados, integrados a um novo sistema viário que conectará o centro à zona sul.
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A ideia é fantástica, pois precisamos de muitos parques pela cidade. Todavia, trago a provocação do conceito da Cidade de 15 minutos e sua aplicação no que podemos observar atualmente no território, no chão que se pisa, ou seja, na integração entre parque, prédios novos e cidade.
Apesar da bela proposta de um parque, há fortes indícios de um desenho urbano voltado ao automóvel. Primeiramente, o parque é delimitado por vias arteriais que permitem altas velocidades em seu entorno. Em segundo lugar, não há conexão com a outra borda da ilha, praticamente ignorando-a. Tenho dúvidas da integração inclusive dos novos prédios. Há ainda a promessa de que, um dia, um VLT passará por ali, onde antes existiam um cais e uma ferrovia histórica.
Hoje, causa espanto caminhar pela avenida Sul — os fundos do projeto — e se deparar com o paredão das garagens das torres construídas, que alteram drasticamente a paisagem. E tudo indica que esse paredão fará face a uma parte do… parque! É lamentável que não se tenha previsto um térreo ativo em todas as fachadas desses prédios. Desse modo, é impossível aos novos moradores dessas super torres Novas usufruírem em primeira mão o conceito de Cidade de 15 minutos. Para quase tudo, precisarão de um carro, exceto para ir ao parque.
Assim, a ideia de Cidade de 15 minutos parece, por aqui, uma utopia. E nem me refiro às questões socioeconômicas ou à segurança pública, mas sim ao aspecto urbano — à arquitetura, ao desenho da cidade.
Não há nada de novo. Pelo contrário, o projeto reproduz antigos vícios e revela uma pobreza formal e espacial. A arquitetura expõe uma crise estética profunda (tema para outra coluna). Falta escala humana. O projeto como um todo vai na contramão de toda a literatura e dos bons exemplos que desestimulam o uso do automóvel e incentivam a diversidade de usos.
A Cidade de 15 minutos propõe mais que proximidade física das atividades ordinárias da vida — ela reivindica o direito à cidade em sua essência. No entanto, enquanto nos limitarmos a repetir fórmulas antigas travestidas de inovação — com torres isoladas, vias arteriais e espaços públicos segregados do entorno — continuaremos apenas a empilhar frustrações urbanas.
O século 21, frente às suas inúmeras complexidades, exige coragem e ousadia para mudar o que está arraigado há décadas. Será que o “novo” Parque suprirá essas graves deficiências? Só o tempo dirá. Mas o Novo Recife, ao que tudo indica, já chega velho, cansado e desconectado do território que precisamos construir coletivamente (e não isoladamente).