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‘Cadeia não é solução para o racismo, mas lei tem que ser aplicada’, diz Hédio Silva Jr.

Advogado também comentou prisão do MC Poze do Rodo, visto como caso evidente de racismo

Para o advogado e doutor em Direito Hédio Silva Jr., o combate ao racismo no Brasil exige uma mudança estrutural e cultural no sistema de Justiça. “A cadeia não é a solução para uma questão grave como o racismo no Brasil, decididamente não é”, afirma em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. “Mas a lei tem que ser aplicada”, pondera.

Fundador do Jus Racial e do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), Silva Jr. tem atuado em casos como o da filha da atriz Samara Felippo e o da neta do cantor Arlindo Cruz, ambas vítimas de racismo em escolas. Segundo ele, a judicialização desses casos, inclusive quando ganham repercussão midiática, é fundamental para pressionar instituições a cumprirem seu papel. “Quando a opinião pública acompanha o funcionamento das instituições do Brasil, elas funcionam muito melhor”, defende.

Durante a entrevista, o advogado também comentou a prisão do MC Poze do Rodo, classificada por ele como um caso evidente de racismo. “A espetacularização da prisão, a violação das regras de uso de algemas e, principalmente, a tortura a que ele foi submetido, aquilo só acontece com preto no Brasil. Com branco, especialmente quando se trata de alguém com influência ou prestígio, como no caso do Roberto Jefferson, a polícia age com cordialidade”, compara.

Silva Jr. ainda criticou a falta de preparo do Judiciário para lidar com a questão racial. “Não adianta ter cota para preto se não mudar a cultura”, diz. Para ele, as conclusões que basearam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o porte de maconha são exemplos que revelam o racismo. “Um jovem negro com 40 gramas de maconha tem infinitas vezes mais chances de ser qualificado como traficante do que um jovem branco com a mesma quantidade, que será visto como usuário”, exemplifica.

Além da responsabilização individual, ele defende uma transformação na formação dos operadores do direito. “O Judiciário precisa preparar os seus quadros para lidarem com esse tema. A decisão que um juiz toma pode ter um efeito devastador na vida de uma pessoa e de uma família. É um tema que tem que ser levado a sério”, argumenta.

Ministério Público tem mãos sujas de sangue do genocídio dos jovens negros

Para o advogado Hédio Silva Jr., o descumprimento das leis que tratam do racismo está diretamente ligado à omissão institucional do Judiciário e do Ministério Público. Ele cita dados da  Fundação Getulio Vargas (FGV), apresentados pelo professor Thiago Amparo, coordenador do Nucleo de Justiça Racial e Direito, que mostram que apenas 10% dos casos de morte em confronto com a polícia têm perícia feita no local do crime, procedimento essencial para apuração dos fatos.

Segundo ele, a ausência de responsabilização contribui para a continuidade da violência contra a juventude negra. “O Ministério Público brasileiro tem as mãos sujas de sangue do genocídio dos jovens negros no Brasil”, afirma.

Silva Jr. defende ainda a importância da disputa jurídica por uma interpretação antirracista das leis e celebra a criação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, lançado em 2024 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo é garantir que as decisões judiciais considerem as desigualdades raciais. “Ele é um soco de esperança para que o Estado do Brasil cumpra com a mentalidade escravocrata que marca a sociedade brasileira”, indica.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.


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