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O Ponto é editado por Lauro Allan Almeida e Miguel Enrique Stédile, do Front - Instituto de Estudos Contemporâneos, e é publicado todas as sextas-feiras.

Em fuga: não existe avião ou desculpa capaz de fugir da realidade

Fugas de Carla Zambelli e de Eduardo Bolsonaro demonstram que o bolsonarismo só é corajoso nas redes sociais ou quando protegido pelo foro privilegiado

Olá, da direita à esquerda, a semana mostrou que não existe avião ou desculpa capaz de fugir da realidade.

.Mais que mil palavras.Os últimos números publicados pela Genial/Quaest apontam uma estabilização do quadro de popularidade do governo em patamares muito baixos: cerca de 57% dos entrevistados desaprovam o governo, contra 40% de aprovação. A pesquisa também apontou que a avaliação negativa pode se converter em rejeição eleitoral do presidente Lula e dificuldades num eventual segundo turno com nomes da direita que há um ano não tinham tanta expressão. Curiosamente, a economia não é o principal motivo de insatisfação. Pelo contrário, a impressão geral da população é que houve ligeira melhora, assim como a percepção sobre a inflação dos alimentos. Outra boa notícia foi a recuperação da popularidade no Nordeste, principal base eleitoral do lulismo. Mas, como era de se esperar, o escândalo do INSS atingiu em cheio a imagem de Lula. Assim, os números mostram que o desempenho do governo está aquém das expectativas do eleitorado, perdendo também quando comparado à gestão de Bolsonaro. Ou seja, com ironia e atraso, comprova-se o diagnóstico do próprio Planalto de que sua comunicação é ruim, mesmo com as mudanças nos últimos meses. A população está mal informada sobre os programas e propostas. A resposta do governo parece ser a de acelerar a entrega do máximo possível, especialmente para a população mais pobre. Assim, além do Pé de Meia na educação, foram lançados o Luz do Povo e o Gás para Todos, tendo por foco a redução do custo de energia, e o Mais Especialidades, para a melhoria do atendimento em saúde. No entanto, Luís Nassif alerta que a lógica das “entregas” é sinal do abandono de um plano estratégico de desenvolvimento do país, deixando sem função um conjunto de instituições públicas qualificadas para realizar pesquisa e planejamento e alavancar a economia a longo prazo. Já Valério Arcary, refletindo sobre a possibilidade de reeleição de Lula, acredita que nada está perdido, mas vê um governo à deriva e que subestima as insatisfações dos trabalhadores e uma possível debandada do centrão.

.Fora da área de cobertura. Bem se entende porque a comunicação do governo é falha. O tímido otimismo do eleitorado com a economia não é completamente fora de lugar. Jogando contra o crescimento da economia está a Faria Lima, preguiçosa e satisfeita com os lucros do rentismo, que ganhou o apoio do Congresso na última semana na batalha do IOF. O governo deve perder essa queda-de-braços, recuando no IOF e transferindo a conta para a diminuição do Fundeb, mas também, garantindo uma possível vitória de Haddad, no caso, a redução de benefícios e isenções fiscais. Além disso, enquanto Lula defende que é hora de baixar os juros, quem opera a política contracionista é seu ex-aliado, o jovem e promissor Gabriel Galípolo. O aquecimento da economia é visto pelo governo como mérito e pelo Banco Central como defeito. E parece cada vez mais improvável que a visão de Lula prevaleça. Tanto que já há banqueiro apostando que Galípolo vai aumentar de novo a taxa Selic em junho. Contra esse tipo de confusão não há Secretaria de Comunicação que dê conta. O mesmo curto-circuito vive o tema ambiental, aquele que um dia já foi vitrine do Brasil para o mundo. Por um lado, o governo prepara-se para receber a COP 30 e pode comemorar a recuperação do Fundo Amazônia. Mas, por outro, não sabe dizer como irá tirar do papel sua própria proposta de criar uma autoridade climática. O tema aguarda na gaveta há mais de um ano e sofre com ausência de um desenho institucional, com a falta de orçamento e com as pressões do agronegócio. Sinal dos tempos foi a rápida aprovação no Congresso do PL da Devastação, que deve contribuir para acelerar o desmatamento de todos os biomas do território nacional. E é claro que o impasse atravessa as relações externas. A visita do presidente brasileiro à França contribuiu para reforçar o discurso sobre as mudanças climáticas, mas move-se também pelo interesse do agronegócio brasileiro em fazer avançar o acordo UE-Mercosul

.Bloqueados. A fuga de Carla Zambelli, assim como a de Eduardo Bolsonaro, demonstra que o bolsonarismo só é corajoso nas redes sociais ou quando protegido pelo foro privilegiado. O destino de Zambelli é ilustrativo de como as saídas para os bolsonaristas vão diminuindo e porquê a direita tem pressa para se livrar de Jair e lançar Tarcísio de Freitas à presidência. Mas, o fim eleitoral ou carcerário do bolsonarismo não significa o fim da extrema direita. Como provou o 2º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal onde funcionários de big techs como a Google e a Meta deram oficinas ensinando o usar a inteligência artificial para espalhar fake news. Aliás, é justamente pela relação carnal entre as big techs americanas e a extrema direita que o julgamento do Marco Regulatório da Internet no STF foi retomado. Em partes, como resposta do tribunal às ameaças de Marco Rubio e Eduardo Bolsonaro desde os Estados Unidos. Em partes, porque como admitiu o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, o STF cansou de esperar que o Congresso e o Executivo tomassem alguma atitude. Apesar de André Mendonça ter jogado água fria na pressa do Supremo, ganhando tempo para os que torcem pelo bolsonarismo e pelas empresas, o mais provável é que seu voto seja minoritário e que o STF amplie a possibilidade de responsabilização das empresas em caso de conteúdos criminosos compartilhados em suas plataformas. Na sequência, o governo regulamentaria outras medidas na mesma linha. A questão é saber se STF e governo ganham esta queda de braço ou se os parlamentares vão, mais uma vez, usar o Congresso para legislar em causa própria, como já fez Kim Kataguiri, que jamais seria deputado sem a força destas big techs.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Mãe do menino Miguel organiza ato cinco anos após a tragédia para pedir justiça. Relembre o crime com conotações de raça e de classe que continua impune. No Marco Zero.

.A encruzilhada ambiental do governo Lula: refém do PIB, governo atrasa agenda ecológica. Os compromissos ambientais do governo na contramão dos interesses do agronegócio e da indústria. No Brasil de Fato.

.Lançamento de sementes de palmeira juçara feito por MST de helicóptero no PR é eficaz, comprova estudo. Em 3º edição da Jornada da Natureza, o MST consolida ação de reflorestamento de espécie nativa. No Brasil de Fato.

.Agronejo: como o sertanejo virou braço cultural do agro e foi usado pela direita. Repórter Brasil mostra como o agronegócio capturou a música do interior do país.

.MC – e se dobrar aos EUA. Prisão ilegal de um dos maiores funkeiro brasileiro revela não só preconceito racial mas também interesses geopolíticos. No Intercept.

.Os cantores comunistas que formaram Bob Dylan. Na Jacobin, Taylor Dorrell resgata a influência do pensamento comunista na música folk estadunidense.

.Trilha sonora para um golpe de Estado. O Sesc Digital disponibiliza documentário on-line sobre o envolvimento dos artistas na luta anticolonial africana.

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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