“A primeira vez que eu vi ela tocando, achei muito parecida comigo, como um violão daqui da região, foi algo espiritual”, destaca o músico, compositor e pesquisador Roberto Mendes, ao comentar sobre sua similaridade com a também violeira e agora parceira, Josyara Gonçalves, em entrevista ao Conversa Bem Viver desta sexta-feira (6).
Dois nomes de duas gerações distintas da Bahia: Josyara, do Juazeiro, Mendes, de Santo Amaro da Purificação; ela do interior e ele do Recôncavo. As regiões da Bahia são distintas, mas há entre eles uma mesma matriz. “Os sotaques são diversos, mas a língua é a mesma!”, enfatiza Mendes.
Roberto Mendes e Josyara vêm construindo uma parceria musical desde março de 2024. Neste ano, a dupla compôs o elenco da série Contorno da Canção – Violão Popular, no Sesc Pompeia, com dois shows encadeados, celebrando o violão baiano. O mesmo circuito também deu espaço para outros nomes de sucesso do cenário musical brasileiro como, Jards Macalé e Kiko Dinucci, e que recebe nas próximas edições, Chico César e Nilze Carvalho.
Ainda sobre a parceria com a artista contemporânea, Mendes conta que mesmo com mais de cinquenta anos de trajetória, ele se surpreendeu com a maneira singular com que Josyara “consome o violão”. “Quando eu era jovem assim, era essa ideia do violão consumindo o violão com percussão ferida, que na realidade é a natureza do instrumento”, explica.
“Ela (Josyara) mesmo explica, como não tinha dinheiro para fazer aulas, foi criando o próprio violão dela, e como o instrumento assemelha-se a um tambor, saiu batendo e sacudindo o violão, e no fim e fez o que fez. Isso é bonito na música brasileira”, reforça Medeiros.
Mesmo com o reconhecimento internacional, Mendes reafirma seu pertencimento com as raízes baianas. “Adoro falar de Santo Amaro da Purificação, principalmente porque ainda vivo aqui e bebo água na minha nascente”, salienta o cantor.
A cidade do leste baiano também é berço de outros artistas de renome no Brasil. O compositor revela que “aqueles que saíram, permitiram que eu ficasse”, destacando seus conterrâneos Maria Bethânia e Caetano Veloso.
“Este nosso violão é filho do mistério”
Para Mendes, a música no Brasil representa mais do que ritmo e som, e sim um reflexo de vida, que varia de região para região do país. Ele destaca que em diversos momentos a construção musical vai além da “mania de acordes”, mas é também expressão do trabalho e da coletividade.
“Existe uma matemática da razão, existe uma matemática da esperança, né? O violão está mais ligado à esperança do que à matemática da razão. […] A ciência é filha da razão. Este nosso violão é filho do mistério”.
Mendes se inspira no que é popularmente conhecido como canção de trabalho ou canto de labor, manifestação musical que dá ritmo a trabalhos rurais.
“É importante saber que o labor é composto por instrumentos da agrícola que provocam a beleza deste encontro. O facão corta de cima para baixo, a estrovenga que dança cortando de um lado para o outro, e a enxada que corta e limpa, corta e puxa. Esse canto é fundamental para a gente perceber como é belo o encontro da viola com os tambores.”
Mendes também se inspira no ritmo “chula”, muito conhecido no Rio Grande do Sul, e largamente presente e difundido na cultura do Recôncavo Baiano desde o século 19.
“A chula não é uma música, é um comportamento que foi traduzido em canção pela necessidade de se comunicar, se você imaginar que o comportamento de um povo de qualquer lugar se forma a partir do que se come e do que se fala, são duas fomes, duas necessidades de sobrevivência.”