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Andreia de Jesus (PT) é educadora popular, advogada, mãe solo e deputada estadual em Minas Gerais.

Algemas para uns, impunidade para outros

A imagem do jovem negro, algemado, é ferramenta de controle social

A prisão de MC Poze do Rodo revela o que nós, pretos, já estamos cansados de saber. Neste país, a Justiça tem pele alva e alvo certo. Quem vai preso é preto e pobre. A repressão não erra o caminho. A força do Estado não chega com a mesma violência em condomínios de luxo como entra na favela. A punição não alcança os poderosos com a mesma rapidez com que alcança quem veio de baixo.

Poze foi algemado como símbolo. Não pela gravidade do suposto crime, mas porque sua trajetória incomoda. Preto, cria da comunidade, dono da própria voz e sucesso sem pedir bênção aos de cima. O sistema não tolera esse tipo de ascensão. Prefere ver nossos corpos subalternos, e quando resistimos, responde com humilhação pública, criminalização midiática e condenação sem julgamento.

Enquanto isso, Carla Zambelli, envolvida em atos golpistas e porte ilegal de arma, fugiu do país pela porta da frente. Nenhuma operação, nenhuma algema, nenhum mandado de prisão. O silêncio da Justiça diante dos crimes dos aliados do poder grita mais alto do que qualquer sentença.

O nome: seletividade penal. O Judiciário ao revogar a prisão, expôs o abuso. Mas a lógica do espetáculo já havia sido cumprida. A imagem do jovem negro, algemado, circulou como ferramenta de controle social. Serviu para lembrar quem manda e quem não pode nada nesse país.

Dentro da cadeia, o cenário é ainda mais brutal. O Estado não controla o sistema prisional. As facções ditam as regras. Poze, ao entrar, precisou garantir a própria sobrevivência. Cresceu em um território dominado por uma facção, a qual a Polícia disse que ele estaria relacionado. Ao adentrar ao sistema não haveria como negar e ir para outro pavilhão, a imposição veio do Estado. Na prisão, a escolha é entre seguir a lógica do crime ou morrer. A mídia, cúmplice do racismo, notícia isso como se fosse decisão livre, como se não houvesse contexto nem ameaça.

A prisão, nesse modelo, não reabilita ninguém. Apenas empurra mais fundo. Política de encarceramento em massa é máquina de moer gente. Um sistema que prende muito, pune mal e transforma jovens em estatísticas.

MC Poze não é exceção. É sintoma. É reflexo de um país que aprendeu a associar cor da pele à criminalidade. Um país onde a justiça de verdade nunca chegou na favela. Só a polícia, só o cassetete, só o camburão.

Enquanto a Justiça continuar protegendo os seus e criminalizando os nossos, não há democracia. Há um teatro. E nesse teatro, a regra é: se você nasceu preto e pobre, já nasceu culpado.

Andreia de Jesus (PT) é educadora popular, advogada, mãe solo e deputada estadual em Minas Gerais

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Este é um artigo de opinião, a visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato

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