Somente 15% dos abatedouros do Cerrado pactuaram com uma proposta de mapeamento do gado criado no bioma visando a redução do desmatamento. Lançado em abril de 2024, o Protocolo de Monitoramento Voluntário de Fornecedores de Gado no Cerrado, ou Protocolo do Cerrado, reúne 11 critérios para guiar a produção e compra de bovinos atreladas à responsabilidade ambiental.
A iniciativa, resultado de quatro anos de negociações entre empresas e sociedade civil, busca alinhar as práticas socioambientais e sistematizar o monitoramento de fornecedores de gado localizados no bioma.
Após um ano de implementação, no entanto, a adesão ao acordo é baixa. Dos 225 abatedouros do Cerrado, somente cinco empresas, com 35 unidades processadoras, assumiram o protocolo. Juntas, essas empresas cobrem 38,8% da capacidade de abate e 33,6% do desmatamento associado à expansão de pastagens no Cerrado.
Se todos os membros da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) – entidade que representa 98% das exportações de carne bovina do Brasil – adotassem esse compromisso, a cobertura poderia atingir 65,5% do abate e quase 68% de área relacionada ao desmatamento.
Essas informações fazem parte do relatório Radiografia da Pecuária do Cerrado, lançado nesta sexta-feira (13) pela iniciativa Do Pasto ao Prato (dPaP).
Bioma mais desmatado, o Cerrado concentra o maior rebanho bovino do Brasil, com cerca de 80 milhões de animais, o que corresponde a aproximadamente um terço de todo o gado do Brasil, de acordo com dados do MapBiomas. A pecuária no Cerrado abastece mais de 1,5 mil frigoríficos no país, segundo o relatório.
De acordo com Dari Santos, coordenadora de impacto da iniciativa Do Pasto ao Prato, os dados do primeiro ano de vigência do protocolo de proteção indicam a necessidade de mais envolvimento de outros setores na preservação do bioma.
“Cabe, mais uma vez, a gente botar em pauta multisetoramente, com participação da sociedade civil, de atores do setor, medidas do próprio governo para garantir que a gente de fato vai ter avanços nessa agenda de proteção do Cerrado para além de um protocolo voluntário com baixa adesão”, indica Santos.
O relatório aponta que a principal lacuna no impulsionamento da sustentabilidade no setor é a restrição do monitoramento aos produtores diretos. Os bovinos, frequentemente, transitam por diversas fazendas ao longo de sua vida, mas apenas a última fazenda antes do abate é monitorada, deixando de fora grande parte do desmatamento que ocorre no início da cadeia produtiva.
Supermercados
Além de analisar a atuação de frigoríficos em áreas de desmatamento, o estudo indica como as redes de supermercados do país poderiam contribuir para a sustentabilidade do bioma, deixando de comprar a carne de fornecedores em regiões sem nenhum monitoramento.
“A exposição ao desmatamento se propaga até as redes varejistas que ofertam os produtos aos consumidores. Dentre as mais de 1.250 empresas supermercadistas no Brasil, somente dois assumiram o Protocolo do Cerrado – Grupo Carrefour Brasil e o Grupo Pão de Açúcar – GPA”, indica o estudo.
Já os supermercados Assaí Atacadista, Mateus Supermercados, Supermercados BH, Irmãos Muffato e Atacadão Dia a Dia destacam-se por apresentar as maiores exposições ao desmatamento no bioma sem ainda possuírem compromisso público, como a adesão ao Protocolo do Cerrado, nem dados divulgados de monitoramento em vigor. Estima-se que as vendas dessas empresas estejam vinculadas a um desmatamento que supera 83 mil hectares.
Grandes empresas
As empresas que, até o momento, aderiram ao protocolo são JBS, Minerva, Marfrig, Frigol e Masterboi; as varejistas Grupo Pão de Açúcar e Carrefour Brasil; e o restaurante Arcos Dourados (McDonald’s no Brasil).
De acordo Dari Santos, essas companhias têm mais condições de investir em mecanismos de auditoria e de monitoramento para rastrear a origem do gado. A comercialização no mercado externo também contribui para a maior participação dessas corporações no pacto que visa a redução do desmatamento no Cerrado. “Então, estão sob políticas e questões necessárias para cumprir monitoramento socioambiental ainda mais rigorosas do que as questões domésticas”, explica.
O relatório destaca que muitas empresas ainda não possuem mecanismos eficazes para evitar o desmatamento em suas cadeias produtivas. “A adesão dessas empresas é essencial para o avanço da agenda de sustentabilidade socioambiental. O principal desafio para isso é o engajamento direto com cada empresa, e a capacidade de cada uma em implementar processos de monitoramento eficazes através do protocolo”, informa o documento.
Além disso, empresas como Carrefour e GPA, mesmo tendo aderido, ainda adquirem carne de frigoríficos que não assinaram o protocolo, o que compromete a efetividade de seus compromissos.
Critérios
Entre os critérios monitorados estão a sobreposição com polígonos de desmatamento superiores a 6,25 hectares a partir de 1º de agosto de 2008 e com registros de infração, trabalho escravo ou embargos ambientais; sobreposição com Terras Indígenas (TIs), Territórios Quilombolas (TQs) e unidades de conservação; assim como o registro atualizado na base de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e análises da Guia de Trânsito Animal (GTA).