Em Alegrete, aquário da infância, azul, um menino, por trás da vidraça, sonhava. Alegrete, cidade de boi e pampa, mas sua alma via o mundo pela janela. A Pharmácia Quintana, um portal para o mistério, onde os pais, entre Camões e Tico-Tico, teciam o império das palavras, sem que ele soubesse ler sozinho. Já nascia poeta, um pequeno passarinho.
Não queria reversos, apenas versos. Segredos guardados, em silêncio. “O poeta é relações íntimas”, dizia, fugindo à evidência, à fofoca que maculava o dia. A alma, um cadete que não quis ser guerreiro, mas nas palavras, um combatente, um pioneiro. Cortes precisos, a dor do parto em cada linha, para que a poesia nascesse, pura e minha.
Porto Alegre o acolheu, cidade-refúgio, onde o Chalé da Praça XV era o pódio. E os bondes levavam a alma a passear. No Majestic, no quarto 217, o seu lar. Entre cigarros e cafés, o tempo escorria, envelhecer era rir, sem que a alma morresse. A melancolia, um toque, uma brisa, mas o humor, a gargalhada, a leveza que o regresse.
O Passarinho do Contra, em seu voo leve, não se prendeu a gaiolas, nem a modas, nem a breve fama que a tantos seduz e engana. Sua verdade, um enigma, um quintanar.
E a morte? Uma piada, um descansar de sapatos, um passo leve para outros caminhos, sem desacatos. Sua poesia, um rio que não para de fluir, um legado que em cada leitor, continua a existir. O cronista do tempo, o pintor de almas, um gênio das palavras, que afasta as palmas para a surpresa do humano, a dor da alma, que em cada verso explode, e nos acalma.
Para Mario Quintana, a ideia de escrever uma autobiografia era descartada. “Não gosto de estar em evidência, de estar sendo exibido”, dizia. Sua vida íntima? “Nem a mim interessa”, chegou a afirmar.
Coincidência ou não, três tentativas de uma biografia sua foram interrompidas pelo infortúnio: as mortes de Elói Calage (2015), Tânia Carvalhal (2006), e Elena Quintana (2019). Mas no mês de maio, quando completou 31 anos de sua morte, foi lançado o livro “O Passarinho do Contra”, um retrato íntimo e aprofundado de Mario Quintana, explorando suas origens, sua vida pessoal marcada por desafios e peculiaridades, seu processo criativo e sua vasta obra, sem se esquivar das polêmicas e frustrações que marcaram sua trajetória.
Neste programa, conversamos com o autor da biografia, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Gustavo Grandinetti. Também tivemos o prazer de ouvir as histórias da principal fotógrafa e amiga do poeta, a jornalista Dulce Helfer que foi fonte da biografia e autora da foto da capa.
O podcast De Fato é uma produção do Brasil de Fato RS em parceria com o SindBancários de Porto Alegre e Região.
Todo sábado, um entrevistado ou uma entrevistada debaterá os principais fatos em destaque no Rio Grande do Sul, no Brasil e no mundo.
Ficha técnica da edição:
Apresentação: Katia Marko e Clara Aguiar
Direção: Marcelo Ferreira
Produção: Saraí Brixner, Fabiana Reinholz e Clara Aguiar
Roteiro: Katia Marko
Trilha sonora original: Zé Martins
Edição e sonorização: Alexandre Garcia
Técnica: Diego Dorneles
Arte: Clara Aguiar
Voz das vinhetas: Nara Lacerda