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Militante baiano Jacob Gorender e Carlos Prestes protagonizaram embate de visões sobre a esquerda, lembra biógrafo

Livro conta trajetória de intelectual brasileiro de origem judia que se colocou contra a luta armada no PCB

Jacob Gorender: uma vida extraordinária, biografia lançada pela editora Expressão Popular, fala sobre o intelectual e militante comunista brasileiro, nascido em Salvador (BA), que deixou importantes reflexões sobre dois momentos marcantes do país: o período escravocrata e a ditadura militar (1964-1985).

O autor do livro é Diego Monteiro Gutierrez, que reuniu na obra informações sobre a trajetória de Gorender, incluindo sua participação na Segunda Guerra Mundial (1939-1945); a atuação, prisão e tortura sofrida pelo militante durante os anos de chumbo; suas divergências teóricas e práticas com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual ele fez parte; dentre outros assuntos que marcaram a vida do baiano.  

“Todas as discussões que Gorender fez sobre a questão do escravizado no sistema capitalista brasileiro e sobre a luta armada e a ditadura militar no Brasil, por exemplo, são importantes para a construção intelectual brasileira. Ele sempre foi um pensador muito diverso e aberto às diferenças”, destaca Gutierrez, ao Conversa Bem Viver.

Gorender nasceu em 1923 e sua biografia foi lançada pouco mais de 12 anos após a morte do pensador, em 2013. A obra faz parte de uma série de publicações da editora que abordam as trajetórias de intelectuais importantes para o Brasil e para o mundo, como Karl Marx

Filho de imigrantes russos judeus, Gorender consolidou sua referência no pensamento crítico brasileiro há pelo menos cinco décadas. Em sua trajetória política, foi incisivo na luta contra o fascimo e dedicou sua vida à construção do comunismo. 

Com o golpe militar, divergiu do PCB e de outros grupos da esquerda que acreditam que o centro da tática deveria estar na luta armada. Para ele, o esforço da militância comunista deveria ser de construção de vínculos com a classe trabalhadora, a partir do trabalho de base. Por isso, enfrentou uma série de embates com Luís Carlos Prestes, militar e político comunista brasileiro. 

Um dos maiores especialistas na obra de Gorender, Gutierrez acredita que, se estivesse vivo, o baiano seria enfático na defesa do povo palestino, que sofre com o genocídio promovido por Israel na Faixa de Gaza, e destacaria a necessidade de a esquerda retormar a sua capacidade de disputar as ideias, frente ao avanço do conservadorismo ao redor do mundo.  

“Ele interpreta o fim do comunismo como a maior tragédia que já aconteceu para a esquerda mundial, porque significou o fim do contraponto às ideias americanas, o fim do contraponto ao capitalismo e o fim do sonho comunista. Na cabeça dele, por mais que o comunismo tivesse problemas, ele sempre poderia se reinventar como algo melhor, como algo mais justo”, destaca o autor da biografia. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – Qual é a importância de Jacob Gorender estar nessa série de edições, produzida pela Expressão Popular, de biografias de grandes pensadores? Como foi o seu contato com ele?

Diego Gutierrez – Todas as discussões que Gorender fez sobre a questão do escravizado no sistema capitalista brasileiro e sobre a luta armada e a ditadura militar no Brasil, por exemplo, são importantes para a construção intelectual brasileira.

O grande ponto do livro é contar um pouco desse período da história e da vida dele, que teve toda uma militância dedicada à revolução. O objetivo foi trazer de volta esse pensador que ainda tem muito a nos ensinar.

O meu contato com o Gorender veio pela filha dele, que é a melhor amiga da minha mãe. Na época, eu estudei jornalismo na USP [Universidade de São Paulo] e, em um trabalho de faculdade, fiz uma entrevista com o Gorender, quando ele já estava bem velhinho. O texto foi publicado na Folha de São Paulo e, logo depois, ele morreu. 

Foi a última entrevista concedida por ele, na qual ele ainda estava bem lúcido e fala sobre a ditadura. Foi aí que começou o meu contato e, com a ajuda da filha dele, esse trabalho de reconstruir a vida do Gorender.

A trajetória do Gorender começa com a do pai dele, que era um judeu de esquerda que vivia na Rússia. Ele foge de lá antes da Revolução Russa [1917-1923], circula pela América do Sul, mora em Buenos Aires e se fixa em Salvador. Isso não era uma escolha muito natural para a comunidade judaica. Tinha muito mais judeus em São Paulo, em Buenos Aires, ou nos Estados Unidos, por exemplo. 

Acho que isso influenciou muito o Gorender porque ele sempre foi um pensador muito diverso e aberto às diferenças, às mudanças. A criação dele em Salvador foi importante porque ofereceu esse ambiente multicultural. Ao mesmo tempo que tinham os negros, a questão colonial, e a cultura muito diversa de Salvador, tinha também as raízes judias dele, que contribuíram para formar um pensador diverso. 

Durante a ditadura de Getúlio Vargas [1937-1945], Salvador era uma região que tinha menos perseguições e um grande número de comunistas se exila na cidade nesse período, o que também acaba influenciando politicamente o Gorender.  

Depois da Segunda Guerra Mundial, ele volta a morar em São Paulo, depois vai para o Rio de Janeiro, e não retorna a morar no Nordeste. 

Durante a Segunda Guerra Mundial, ele se apresentou ao front. Como foi essa experiência?

Ele escolheu ir porque via a Segunda Guerra Mundial como uma grande luta contra o nazismo, pela civilização e pela igualdade. Por isso, Gorender achava que não podia ficar de fora e que um verdadeiro comunista tinha que pegar em armas e lutar.

Ele se voluntariou e teve até um pouco de dificuldade para se alistar, porque era um cara pequenininho e meio franzino, mas acabou sendo aceito por ser uma pessoa mais culta, saber ler e escrever. Daí, ele não lutou diretamente, mas trabalhou consertando linhas de telégrafo e com comunicações. Ou seja, Gorender participou da guerra, mas não atirou em ninguém. Ele trabalhou nas linhas de apoio. 

Ao retornar para o Brasil, logo Gorender se depara com a ditadura militar. Na época, ele era militante do Partido Comunista Brasileiro, mas, com o golpe, se desvinculou do PCB.  Como foi esse processo?

Ele volta, se torna um militante profissional, entra nos quadros do PCB e trabalha pela revolução. Ele chega a se tornar quase um dos líderes do PCB. Durante o golpe, ele tem um racha com o partido por causa da questão da luta armada. 

Talvez pela influência de ter sido um dos poucos que viveu de fato uma guerra, Gorender tinha uma visão muito diferente da visão do PCB. Ele achava que, naquele momento, não havia condições de se ganhar uma luta armada.

Ele entendia o processo de se fazer uma revolução e de se lutar e ganhar uma guerra. E era contra, naquele momento, porque entendia que não haviam as condições sociais e políticas de se tomar o poder pelas armas. Por isso, achava que era necessário buscar outros caminhos. 

Diante dessa divergência, ele sai e cria o seu próprio partido, o PCBR, que atua mais focado no trabalho de base, mas que, já no fim dos anos de chumbo, eventualmente, também executa algumas ações armadas. Nesse final, ele já estava preso. 

Quais caminhos alternativos à luta armada Gorender enxergava naquele momento? Ele divergiu muito do conterrâneo dele Carlos Marighella sobre como enfrentar a ditadura? 

Ele tinha uma visão pessimista e, ao contrário dos outros, não achava que a revolução estava tão pronta. Consequentemente, ele via como alternativa o trabalho de base, conversar com as pessoas, tentar criar um ambiente mais propício à revolução. 

O que ele sabia é que eles não ganhariam a luta armada. Ele via muitos jovens que nunca tinham lutado em uma guerra, nunca tinham matado ninguém, nunca tinham atirado em ninguém. E, por isso, ele não achava possível vencer. De certa maneira, a visão dele se mostrou correta, pela forma como as coisas ocorreram. 

Ele nunca achou também que a ideia de roubos aos bancos, defendida por Marighella, por exemplo, era uma ideia sólida. No livro Combate nas Trevas, Gorender diz que o PCdoB, com a proposta de luta armada sem roubar bancos, vai conseguir levantar dinheiro e organizar uma guerrilha que acaba dando mais trabalho que uma guerrilha urbana de fato. 

Ele era um cara prático, que via a situação e achava que não era possível ganhar a guerra. Mesmo com essa divergência teórica e prática sobre como seguir, ele nunca deixou de apoiar e de lutar, tanto que ele foi preso.

Como foi o contexto da prisão de Gorender e do período em que ele foi torturado pelos militares no Brasil?

Ele foi preso porque um dos membros do partido dele foi preso e torturado, e acabou denunciando o esconderijo deles. Gorender ficou preso quase até o fim dos anos de chumbo, quando se começou a discutir a anistia. 

Todos foram presos. Mário Alves, que era o seu melhor amigo e um importante militante baiano, foi morto durante a tortura. Gorender sobrevive, mas é um período bem marcante na vida dele e que marca o final da militância dele.

Depois da ditadura, ele se dedica muito mais a ser um intelectual, acadêmico, sem envolvimento direto nos acontecimentos que acontecem a seguir. Logo depois, ele se dedica a escrever Combate nas Trevas, que  talvez seja a grande obra dele sobre a ditadura militar, onde ele busca os erros e os acertos da esquerda que levaram tanto à ditadura quanto à luta armada 

Nós falamos sobre Marighella, mas o grande desafeto dele, na verdade, era o Carlos Prestes, que Gorender acreditava que errou e que parte da responsabilidade do golpe tinha a ver com a falta de entendimento do Carlos Prestes sobre a realidade brasileira e sobre a força do comunismo. 

Como você acredita que Gorender encararia o atual contexto de ascensão de regimes autoritários ao redor do mundo? Como ele avaliaria, por exemplo, o genocídio da população palestina na Faixa de Gaza?

Ele sempre foi comunista e tenho certeza que ele ia ser favorável ao movimento palestino e denunciaria o que está acontecendo. Acho que ele nunca se viu como um israelense. Se via como judeu, pela ascendência, mas nunca teve nenhuma relação com esse grupo.

Falar como um pensador pensaria, por ele não estar vivo, é um desafio. O que eu acho que Gorender viu e muita gente não viu é uma grande crise da esquerda. Isso vai marcar o final da vida do Gorender e vai fazer ele, no final, se ver como uma figura trágica.

Ele interpreta o fim do comunismo como a maior tragédia que já aconteceu para a esquerda mundial, porque significou o fim do contraponto às ideias americanas, o fim do contraponto ao capitalismo e o fim do sonho comunista. Na cabeça dele, por mais que o comunismo tivesse problemas, ele sempre poderia se reinventar como algo melhor, como algo mais justo.

Então, acho que ele interpretaria o atual cenário a partir dessa chave da crise da esquerda, da falta de ideias e de opções. Sem esse contraponto, as ideias de direita acabam dominando.

Nem a ascensão da China estimularia o Gorender a acreditar que o comunismo segue vivo? 

Não sei se hoje ele consideraria a China como comunista ou como um recorte. Mas ele via o fim da União Soviética como o grande fim da experiência comunista. Ele entendeu como uma derrota de fato. 

Ele não procura desculpas, nem conspirações, mas apenas vê isso como a derrota do modelo e acha que é o elemento definidor. Gorender vê o final do comunismo também como uma tragédia pessoal da vida dele e acha que existe uma falta de um caminho para a esquerda.

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