O Brasil pode estar prestes a dar um salto rumo à destruição ambiental. O Projeto de Lei 364/2019, conhecido como “PL da Devastação”, está em tramitação no Congresso Nacional e representa um ataque frontal ao Código Florestal, uma das principais ferramentas de proteção ambiental do país. Aprovado pelo Senado, o projeto aguarda votação na Câmara dos Deputados.
Relatado pelo deputado Coronel Zucco (PL-RS), o PL 364/2019 propõe mudanças profundas nas regras de licenciamento ambiental e proteção de vegetação nativa, entre elas:
- Autolicenciamento: empresas poderiam obter licenças ambientais apenas com autodeclarações, sem passar por análises técnicas nem fiscalização rigorosa;
- Dispensa de licenciamento: atividades agropecuárias e de infraestrutura de grande impacto poderiam ser executadas sem licença ambiental;
- Limitação de condicionantes: regras que exigem medidas mitigadoras ou compensatórias seriam afrouxadas;
- Exclusão de outorga para uso da água: empreendimentos não precisariam mais de autorização para consumir grandes volumes de água;
- Desconsidera territórios: tradicionais e unidades de conservação não regularizadas;
- Fragmenta a legislação ambiental: estados e municípios poderiam definir regras mais brandas para atrair empreendimentos.
Na prática, o projeto desmonta o Código Florestal, anistia desmatadores, mais uma vez pune quem preservou e legaliza a destruição de ecossistemas inteiros.
Vales
Nos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, os impactos seriam imediatos e profundos. A região está localizada na transição entre o Cerrado, a Mata Atlântica e o Semiárido, abrigando uma biodiversidade singular e comunidades tradicionais como quilombolas, apanhadores de flores sempre-vivas, povos indígenas e agricultores familiares.
Esses modos de vida estão intrinsecamente ligados ao ambiente. A destruição da vegetação nativa compromete a recarga de lençóis freáticos, o ciclo das chuvas e a manutenção dos rios. Sem mata, não há água. E sem água, não há vida.
Segundo dados do MapBiomas, Minas Gerais perdeu mais de 15 mil hectares de vegetação nativa em 2022. Parte significativa dessa perda ocorreu justamente em regiões vulneráveis como o Jequitinhonha e o Mucuri.
O projeto, se aprovado, pode intensificar o avanço da mineração, especialmente a do lítio, sem controle ambiental efetivo; a ocupação de nascentes e veredas, agravando a crise hídrica; a grilagem e o desmatamento legalizados; a poluição de rios e solos, com menos fiscalização.
Zema também propõe desmonte ambiental
O ataque não se limita ao plano federal. No plano estadual, o Projeto de Lei 3.189/2024, enviado pelo governador Romeu Zema à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, também propõe um amplo desmonte do licenciamento ambiental. Entre outros pontos, ele retira o poder deliberativo do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM). Esse órgão colegiado, formado por representantes do governo, da sociedade civil e especialistas, é hoje crucial para avaliar e decidir sobre processos de licenciamento mais complexos.
O projeto ainda amplia o uso do modelo de licenciamento por adesão e compromisso, em que o empreendedor apenas declara que atende aos requisitos, sem que haja análise prévia do impacto ambiental, elimina a obrigatoriedade de estudos técnicos e de audiências públicas, e permite que diversos tipos de empreendimentos obtenham licenças sem qualquer controle social.
Para territórios como os Vales, onde mais de 40% das comunidades rurais não têm acesso contínuo à água potável, segundo a Fundação João Pinheiro, e onde os efeitos da crise climática são cada vez mais evidentes — com estiagens prolongadas, temperaturas superiores a 40 °C e escassez de chuvas —, o efeito combinado desses dois projetos pode ser desastroso.
A aprovação dessas medidas não apenas intensifica a destruição ambiental e os conflitos pelo uso da água, como também aprofunda desigualdades históricas. As comunidades tradicionais que vivem da terra e da água estão entre as mais afetadas por esse modelo que privilegia o lucro acima da vida.
Justiça ambiental e agricultura familiar
O meio ambiente não é obstáculo ao desenvolvimento. Desenvolver com justiça ambiental é produzir sem destruir, respeitar os ciclos da natureza e garantir às futuras gerações o direito à água, ao alimento e ao pertencimento.
Nos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, isso se traduz em fortalecer a agricultura familiar agroecológica, ampliar a infraestrutura hídrica para comunidades, proteger territórios quilombolas e apoiar iniciativas culturais e produtivas de base comunitária.
Cabe à sociedade civil, aos movimentos sociais e às comunidades tradicionais impedir esse desmonte. É preciso denunciar, informar e agir coletivamente para defender o que ainda resta e conquistar um futuro com dignidade.
O que está em jogo é o futuro dos territórios e das pessoas que os habitam. Um futuro que precisa ser construído com equilíbrio, acesso justo aos recursos naturais e respeito à diversidade cultural e ambiental. Enfraquecer o licenciamento ambiental não é caminho para o desenvolvimento: é caminho para o colapso.
Dr. Jean Freire é médico e deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
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