Para nós da Amigas da Terra Brasil, o 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, vai além de uma data para conscientização e proteção da natureza, o que, infelizmente, muitas vezes, fica no papel ou se restringe às propagandas. É um dia de luta pela vida!
Presenciamos um retrocesso na luta ambiental no Brasil e em todo o mundo. Às vésperas da COP30, encontro internacional realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para debater os impactos das mudanças climáticas, que neste ano é sediado no Brasil, o Senado aprovou um projeto de lei que flexibiliza as normas de licenciamento ambiental em todo o país. O PL 2159, apelidado de PL da Devastação, simplifica as regras de licenciamento para obras de infraestrutura, hidrelétricas e barragens, e as dispensa para obras de melhoria, agricultura tradicional e pecuária de pequeno porte. A necessidade de consulta prévia será restrita apenas a povos indígenas em terras já demarcadas e comunidades quilombolas tituladas.
O PL também transfere para os governos estaduais e municipais o poder de determinar o nível dos possíveis impactos de uma determinada obra e amplia para empreendimentos de médio impacto a possibilidade de Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), uma modalidade de licenciamento ambiental simplificado, antes possibilitada apenas para empreendimentos de baixo impacto. Esse formato permite ao Estado licenciar empreendimentos a partir de uma autodeclaração do próprio empreendedor, apenas comprometendo-se a cumprir os critérios estabelecidos pela autoridade licenciadora.
Como houve modificações no mérito do projeto de lei, voltará a ser analisado pela Câmara dos Deputados, onde já tinha sido aprovado em 2021 e dificilmente será barrado. A demanda da Amigas da Terra Brasil e de demais organizações é que o presidente Lula vete o PL. O maior retrocesso ambiental em 40 anos é do interesse de setores corporativos, entre eles o agronegócio e a mineração, que têm feito um lobby muito poderoso frente às instituições públicas e ao Estado brasileiro para ampliar a apropriação dos bens naturais comuns e dos territórios para terem cada vez mais lucro.
Além da exploração predatória, que destrói a natureza e, muitas vezes, prejudica comunidades que vivem dela e com ela, essas empresas nacionais e internacionais têm uma perspectiva colonialista do Brasil, priorizando a produção primária, sem nenhum interesse em agregar valor ou desenvolver o país. Para nós, sobra o lixo, os resíduos e as contaminações, gerando a impossibilidade de outras formas de produção e de pensar a forma de melhor utilizar os recursos que a gente tem. “O poder corporativo vem, cada vez mais, ampliando seus tentáculos na sociedade. Hoje, praticamente, toma o controle do Estado brasileiro e exerce muita pressão, muitas vezes fazendo com que o Estado não consiga contrapor por conta da dependência econômica”, diz Fernando Campos Costa, da Amigas da Terra Brasil.
Avanço do agronegócio e da mineração é retrocesso para os territórios de vida
O PL da Devastação traz à tona várias iniciativas fragmentadas que vinham acontecendo, inclusive nos municípios e nos estados, num pacotão para ser aprovado junto e que passe a ter validade em todo o Brasil. “Tem o papel de pressionar para que avancem um pouquinho. E tudo o que avançar, será uma derrota para os territórios e as comunidades, para toda a sociedade, porque todas precisamos de um ambiente saudável”, afirma Fernando Campos Costa, da Amigas da Terra Brasil. Embora governos e setores econômicos neguem uma relação entre a flexibilização das licenças e da legislação ambiental com os impactos dos extremos climáticos, confirmamos isso no nosso cotidiano e em nossas vidas.
No Rio Grande do Sul (RS), que em 2024 enfrentou a maior tragédia socioambiental da sua história, vivemos uma enorme mudança no uso do solo, principalmente nas regiões mais sensíveis, que têm características específicas, como o Pampa. As monoculturas de soja e de árvores se expandem pelo RS, causando impacto ambiental no território e agravando o êxodo rural, pelo qual as pessoas se veem expulsas do campo por falta de perspectiva econômica devido aos impactos gerados por esses cultivos ou por não conseguirem se manter na sua propriedade. A situação da enchente evidenciou a falta de proteção dos rios e cursos d’água.
Quatro anos antes, o governador Eduardo Leite havia sancionado o novo Código Ambiental gaúcho, que entre tantas modificações, ampliou o autolicenciamento ambiental para atividades de médio e alto potencial poluidor, reduzindo a proteção ambiental. A partir de uma ação judicial, e provavelmente impactado pelo que os gaúchos tinham sofrido, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou essa medida em dezembro passado.
Em Porto Alegre (RS), cidade atingida gravemente pelas inundações de 2024, a flexibilização das licenças e da legislação atende aos interesses, especialmente, do setor imobiliário, que avança para áreas verdes e banhados com seus prédios e loteamentos de alto valor. Enquanto isso, mais de 95 mil pessoas sonham com moradia decente na capital e região metropolitana, segundo dados de 2022.
“A gente quer mais proteção. A proteção que temos hoje não garante. As audiências públicas são cada vez mais pró-forma. A gente assiste um estudo que muitas vezes é falho, tem informações falsificadas. Há interesse de quem paga pela licença, então há uma relação direta entre a produção dos estudos e quem está com o objetivo de reduzir os impactos, negando espécies e situações de fauna e de flora e principalmente cultural, na questão dos povos originários e tradicionais, que é o que tem barrado as licenças atualmente” comenta Fernando Campos Costa, da Amigas da Terra Brasil.
Não existe processo produtivo que não gere desgaste ambiental, portanto não deveríamos abrir mão dos estudos de impacto. Nem mesmo para a produção da chamada energia limpa. “Abrem mão do licenciamento ambiental para fazer a instalação dos parques eólicos [movidos à força do vento] porque seria algo limpo por natureza. Mas a forma com que foram executados os parques foi errado, não fizeram estudo do caminho, onde implantar, o impacto nas comunidades. Tirou-se o licenciamento do plantio de árvore, como se isso fosse positivo, e não é. Não se tem ideia de quanto as monoculturas de árvores secam o solo, banhados, nascentes de rio”, diz Fernando.
Se no plano nacional, a Amigas da Terra Brasil se posiciona contra o PL da Devastação, no âmbito internacional a luta contra o poder corporativo também é prioritária.“Nesse dia do meio ambiente, reafirmamos nosso compromisso com um ambientalismo popular que enfrente todas as formas de opressão. A luta por justiça ambiental é anti-imperialista, pois nao haverá justiça ambiental sem a libertação do povo palestino”, diz Letícia Paranhos, presidenta da Amigas da Terra Brasil.
O genocídio praticado pelo Estado sionista de Israel, com apoio dos Estados Unidos e de potências europeias, contra os palestinos em Gaza alimenta financeiramente grandes empresas de armamento, tecnologia e água. Destrói vidas e polui a natureza. Estudo compartilhado exclusivamente com o The Guardian e divulgado pelo jornal em 30 de maio revelou que o custo climático de longo prazo da destruição, limpeza e reconstrução de Gaza pode chegar a 31 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e).
Informações do último posicionamento da Stop the Wall (“Parem o muro”, pela sua sigla em inglês, uma campanha de movimentos de base palestinos pelo fim do apartheid, do qual a Pengon – Amigos da Terra Palestina faz parte) dão conta de que mais de 100 mil toneladas de bombas foram lançadas sobre Gaza, uma quantidade maior do que a utilizada na Segunda Guerra Mundial.
Também calculam que a pegada de carbono dos primeiros 15 meses da guerra de Israel contra Gaza será maior do que as emissões anuais de gases de efeito estufa de cem países individualmente. No entanto, essas emissões militares não estão incluídas nos relatórios da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).
Até janeiro deste ano, as toneladas de explosivos lançados por Israel sobre Gaza já geraram a emissão de quase 1,89 milhão de toneladas de gás carbônico (CO2), um dos principais responsáveis pelo aquecimento global e, consequentemente, pelo aumento das temperaturas. Israel ainda destruiu entre 38% e 48% das árvores e fazendas do território, contaminando o solo e a água potável. No geral, a pesquisa divulgada pelo The Guardian estimam que o custo climático de longo prazo da destruição militar de Israel em Gaza – e das recentes trocas militares com o Iêmen, o Irã e o Líbano – é equivalente a carregar 2,6 bilhões de smartphones ou operar 84 usinas de energia a gás por um ano.
Por sua vez, em sua declaração, a Stop The Wall traz várias demandas rumo à COP30, convocando todos pelo Embargo Global de Energia para a Palestina. Uma dessas demandas é de extrema importância para o Brasil:, que é a de “exigir que o governo anfitrião da COP30, o Brasil, encerre todas as exportações de petróleo bruto e produtos refinados para Israel, demonstrando sua seriedade em relação ao combate ao genocídio e às mudanças climáticas”.
“No dia do meio ambiente, nós da Amigas da Terra Brasil nos unimos ao chamado do Stop The Wall, nos mobilizando na resistência pelo fim ao genocídio, ao apartheid e ao ecocídio cometidos. Pelo fim da crise humanitária, à qual é submetido o povo palestino. Nos comprometemos a fortalecer o movimento por boicote, desinvestimento e sanções ao Estado sionista de Israel até que a Palestina seja livre do rio ao mar”, disse Letícia Paranhos.
Nossa luta contra os projetos de morte, baseados na exploração, opressão e violência classista, racista, patriarcal, heteronormativa, colonialista, imperialista passa por desmantelar o poder corporativo e as políticas neoliberais, defender a democracia, a participação e o controle social e construir a soberania popular.
O Dia do Meio Ambiente deve ser para celebrar a defesa dos territórios de vida, que sustentam as soluções dos povos, tão necessárias para enfrentar, de forma articulada com movimentos sociais populares, as crises do sistema capitalista. Seguiremos na construção do poder e da soberania popular por meio da organização, mobilização e fortalecimento de alianças estratégicas baseadas na solidariedade internacionalista!
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.