Por Renata Barcellos
Os livros para colorir estão nos centros das discussões assim como a dos bebês reborns. O que está levando as pessoas a adotarem essas práticas?
No mundo contemporâneo, crianças, adolescentes e adultos estão “obcecados” com a tendência dos livros de colorir, por exemplo: Bobbie Goods, marca criada pela norte-americana Abbie Gouveia. Estes apresentam personagens como ursos e patinhos em aventuras diversas. Cada um tem por objetivo trazer “alegria e criatividade” ao dia a dia de quem o consome. E isso ocorre?
Com essas publicações, as ilustrações tornaram-se um fenômeno e são pintadas e compartilhadas por milhões de pessoas, nas redes sociais. Os adeptos compram canetinhas para pintar e criar efeitos de texturas ou esfumado… Voltamos à infância: brincar de boneca e colorir desenhos? Outra questão envolvendo os livros para colorir é quanto a sua classificação: ficção ou não-ficção? Como você, leitor, os classificaria? Em uma dessas duas categorias ou na de “entretenimento”?
E, pasmem, estão entre os mais vendidos. Para muitos, já se tornou “uma febre nacional”. A coleção de livros para colorir referida acima teve grande sucesso no Brasil, com vendas superiores a 150 mil cópias entre dezembro de 2024 e março de 2025. E doze dos 20 livros mais vendidos em livrarias brasileiras são livros para colorir. Assustador, não?
Essa “tendência” dos livros de colorir está impulsionando o mercado editorial e as papelarias. Todas essas questões envolvendo os livros para colorir têm provocado diversas discussões e as pessoas estão sendo classificadas em “coloristas” ou em “defensores da literatura”. E você, leitor, a qual grupo pertence?
Em um país cujos resultados em relação à competência leitora está cada vez pior. De acordo com pesquisas, no Brasil, o índice de leitura e interpretação de texto é baixo. O país fica abaixo da média de países desenvolvidos. De 2019 a 2024, o percentual de leitores caiu 5% entre as mulheres e 6% entre os homens. Mais da metade dos brasileiros não lê livros. Nosso país tem o menor índice de estudantes que leem mais de 100 páginas entre os países da América do Sul. No Pisa, metade dos estudantes brasileiros não atinge o nível básico de leitura.
E, ainda assim, vamos continuar a colorir?
Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), o Brasil estagnou na redução do analfabetismo funcional e a condição atinge 29% da população de 15 a 64 anos. Esse é o mesmo patamar que o país tinha em 2018 e caracteriza uma piora em relação a 2009, quando alcançava 27% dos brasileiros. Mesmo diante desses resultados caóticos, ainda assim, vamos continuar incentivando a leitura dos livros clássicos com releituras em HQ ou a de livros para colorir?
Muitos defendem o uso destes como recurso terapêutico. Compram-nos porque “faz bem, relaxa, faz com que a criatividade aumente…”. Outros abominam, consideram “modinha”. Alegam o fato de as pinturas estarem “tirando tempo de leitura das pessoas”.
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No que se refere ao recurso terapêutico, não existem dados estatísticos precisos que comprovem que livros para colorir são uma terapia em si. No entanto, de acordo com a Forbes, estudos e pesquisas indicam que a prática de colorir pode trazer benefícios como redução de ansiedade, aumento da atenção e relaxamento. Essa atividade pode ser considerada um complemento, não substituindo a terapia profissional.
Cabe a reflexão: que país leitor é este onde vivemos? Como o Rio de Janeiro foi nomeado pelas UNESCO como Capital Mundial do Livro? Ministramos aulas de Língua Portuguesa e de Literaturas da Educação Básica à Superior e, a cada ano, o nível está mais baixo.
Quanto aos livros com releitura em HQ, verificamos a adoção de releituras das obras neste gênero textual. Defendo nos anos iniciais ou no caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Especialmente voltada a pessoas jovens, adultas e idosas, permite que o aluno retome os estudos e os conclua em menos tempo, possibilitando a garantia de seus direitos à educação e sua melhor qualificação para o mercado de trabalho.
Já, nos outros anos, devemos incentivar a leitura dos originais para o desenvolvimento das habilidades leitora e de escrita. Estamos formando muitos alunos no Ensino Médio e no Superior analfabetos funcionais. Urge revertermos este quadro educacional drástico. Pior quando, na Educação Superior, na licenciatura de Letras, constatamos que muitos professores atuais e futuros também não leem (só falta estarem comprando livros para colorir) ou adotam as releituras em HQ.
Lutemos pela leitura de obras originais, pelo desenvolvimento das competências leitora e de escrita e por um Brasil leitor!
Renata Barcellos é doutora em Letras (@prof.renatabarcellos).
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Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal