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 A noite é lugar de exercício de individualidades e liberdades, diz autora do livro Babado Forte

"Moda é mudança, é essa busca incessante por uma expressão pessoal", define Erika Palomino

25 anos após a sua primeira publicação, o livro Babado Forte: 35 anos de cultura jovem no Brasil foi reeditado por Erika Palomino, jornalista, curadora e diretora criativa. A edição original já era considerada uma enciclopédia sobre a cena cultural noturna, em especial dos anos 90, construída e vivenciada pela juventude e a comunidade LGBT+. 

Agora, o novo texto traz, com 70% de conteúdo inédito, como as manifestações culturais em todo o país se reinventaram de forma genuinamente brasileira entre os anos 2000 e 2024. No trabalho de Palomino, fruto de um longo processo de pesquisa e sistematização, drag queens, jovens, transformistas, DJs, entre outros, são os grandes protagonistas.

“A noite é um lugar de bastante proteção, de experimentação, de exercício de subjetividades, de individualidades e de liberdades. Também é um livro sobre uma invenção de espaço. Sobre como criar espaços para si. Um exemplo interessante é a festa Batekoo”, destaca a autora. 

O novo lançamento também aborda como essas manifestações culturais sofrem com a repressão, sendo muitas vezes vítimas da violência do Estado e do preconceito. Mas Palomino é enfática ao afirmar que, desse processo, surgem também grandes marcos de resistência. 

“Todas essas manifestações relacionadas à noite são muito vitimadas pela violência, pelo preconceito e por todas essas percepções conservadoras. O livro mostra isso, mas mostra também que seguimos resistindo”, explica. 

A autora destaca ainda o papel político e social cumprido pela moda, outro tema que ganha destaque na nova edição do livro. 

“Moda é mudança, é essa busca incessante por uma expressão pessoal. Não é necessariamente estar na moda, mas é a forma como a gente se apresenta para o mundo.”

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – O que mudou da primeira edição do livro para a atual?

Erika Palomino – O livro original é de 1999 e falava sobre a cena de São Paulo, sobretudo, com um capítulo dedicado ao Rio de Janeiro, no período de 1989 até 1999.

Falamos de clubes noturnos, manifestações relacionadas à música eletrônica e à cultura LGBT+, que, na época, não tinha essa sigla ainda. Abordamos também um universo relacionado à moda.

Quando o primeiro livro foi lançado em 1999, teve uma tiragem que se esgotou com o passar do tempo, mas eu senti recentemente a volta de um interesse em relação ao que aconteceu naquele período no Brasil e uma curiosidade sobre o que aconteceu depois.

Então, o ponto de partida da edição atual foi o último capítulo do livro original, que dava conta de uma espécie de exercício de futurologia, alguma coisa que pudesse apontar pistas para os anos que viriam. Foi com muita alegria também que eu, ao voltar para esse capítulo, vi que muitas dessas previsões tinham sido acertadas. Sobretudo esse olhar amplificado, ampliado, sobre o Brasil e sobre as manifestações produzidas de uma forma mais genuína.

Então, o livro abandonou 70% do conteúdo, para que a gente pudesse fazer uma atualização, compreendendo o ano 2000 até o ano de 2024. Para fazer isso, eu contei com o patrocínio do Instituto Cultural Vale, que me proporcionou a criação de um grupo de pesquisa e de edição de 17 pessoas. O primeiro livro era só meu, passava pelo meu corpo, pela minha presença, pela minha visão, mas agora fui alimentada de muitas frentes, com uma equipe extraordinária, e pude criar essa grande sinfonia que traz um retrato da juventude. É um livro que fala da cultura jovem, da manifestação jovem.

Então, o livro ficou muito mais rico e relevante, porque não faria sentido só continuar uma extensão da minha experiência. Foi uma alegria muito grande poder voltar a esses assuntos e contar o que aconteceu de lá para cá.

Por que precisamos olhar para a noite não apenas como um momento de felicidade, mas também para o seu impacto político e social?

O livro se passa na noite, mas ele não é sobre a noite. A noite é um lugar de bastante proteção, de experimentação, de exercício de subjetividades, de individualidades e de liberdades. Também é um livro sobre uma invenção de espaço. Sobre como criar espaços para si. 

Um exemplo interessante é a festa Batekoo, criada por Maurício Sacramento. Ele começou a fazer essa festa com um grupo de amigos porque não encontrava nada parecido que a turma dele pudesse frequentar em Salvador. 

O livro fala muito sobre isso e acontece na noite para falar sobre a reivindicação do espaço público, sobre essa criação de espaços políticos. É um livro sobre a amizade e sobre o tempo. Tem narrativas muito interessantes. Quando Maurício fala que a Batekoo é um portal para a felicidade, é muito bonito.

Essa frase concentra uma das ideias principais do livro, que é a da pista de dança como um lugar de transcendência, de libertação, de proteção, de acolhimento, de encontro dos nossos semelhantes. A pista de dança aparece como uma certa utopia.

No caso específico da Batekoo, que foi criada a partir de um coletivo de jovens negros e negras que precisavam desse lugar para fortalecer suas individualidades e para determinar o seu espaço, a abordagem do pertencimento é também de fortalecimento de identidades. Essa potência, como linguagem e manifestação, transformou a Batekoo num grande festival que ultrapassou a cidade de Salvador e acontece em várias outras.

Os casos que eu conto no livro falam muito de economia criativa e de como tudo isso se transformou em um movimento cultural, social e econômico. 

O livro também aborda a repressão sofrida por esses movimentos, muitas vezes submetidos à violência policial. Como se dá esse processo? 

O livro fala bastante sobre isso no capítulo que se chama A Cena das Ruas,  que aborda o momento dos anos 2010, quando esses coletivos começaram a se formar e as pessoas começaram também a promover festas independentes em diversas cidades do Brasil.

O livro é um chamado, um grande convite, a essa energia. Ele foi escrito nos últimos dois anos e, desde o lançamento no fim do ano passado, a gente viu um recrudescimento de valores conservadores, o crescimento da extrema direita, das coisas dos Estados Unidos respingando aqui. 

Houve o crescimento de ideias que vão na oposição da rebeldia das liberdades de que a gente está falando. Mas, a partir desses casos de estudo, de exemplos que o livro conta, também falamos que “ainda é possível”. 

O livro quer ajudar a manter acesa essa chama de achar que é possível fazer.  Tem o caso, por exemplo, da Mamba Negra, que também foi outro coletivo que se juntou, criando a partir do nada uma festa. Agora, elas são um selo, fazem festivais e curadorias, refletindo a diversidade e a resistência.

Todas essas manifestações relacionadas à noite são muito vitimadas pela violência, pelo preconceito e por todas essas percepções conservadoras. O livro mostra isso, mas mostra também que seguimos resistindo. 

As festas ballrooms são exemplos de como toda essa repressão pode acabar desencadeando a formação de espaços de segurança e celebração. Qual é a importância de valorizarmos essas manifestações?

A cena ballroom aparece com destaque no livro, porque eu tenho um especial apreço por essa manifestação que vem a partir do Vogue, surgindo no início dos anos 90. Já estava mapeado no livro original.

Eu pude voltar àquela semente e mostrar de que forma hoje essas casas de ballroom e de Vogue estão espalhadas pelo Brasil inteiro e formam famílias de proteção e acolhimento. Incrivelmente, elas se fortaleceram na pandemia, quando as pessoas estavam absolutamente precarizadas, principalmente a comunidade trans e travesti que trabalhavam na noite e ficaram sem seu ofício  e remuneração.

Então, esse apoio, essas famílias, esses grupos, se espalharam pelo Brasil todo e se fortaleceram. Cresceram na dificuldade, na adversidade, e hoje fazem uma manifestação lindíssima, que já foi até para a Bienal de São Paulo. 

Essa manifestação também me permitiu alcançar outros lugares, fora do eixo Rio e São Paulo. Então, a gente tem também entrevista com o Pedro Tucano, que fez a primeira festa de ballroom em Manaus com pessoas indígenas LGBT+.

Tem entrevistas com pessoas de Fortaleza, de Belo Horizonte, etc, que começaram essa cena e hoje a irradiam para o país todo. 

Se no primeiro livro, nos primeiros 10 anos, a gente absorveu muito dessa cultura que veio dos Estados Unidos, que veio de países da Europa, do ano 2000 para frente, o que essas pessoas fizeram foi uma espécie de uma resposta antropofágica. Dizendo, “olha, isso aqui é o que a gente tem para entregar de volta, isso aqui é nosso”. E aí a gente viu o funk, a aparelhagem, o piseiro e todas essas manifestações eletrônicas são absolutamente e genuinamente brasileiras crescendo. 

A pandemia de Aids, entre as décadas de 80 e 90, marcou fortemente a primeira edição do livro. Nós já avançamos muito, mas ainda existem cicatrizes abertas? Como podemos avançar no combate ao preconceito?

O primeiro livro trata muito dessa primeira geração pós-Aids, que teve que inventar jeitos de se relacionar, de se proteger e também de se divertir. A geração anterior a essa foi tolhida do direito à alegria, à diversão e sobretudo ao desejo.

Esse debate é algo que o livro também promove e, ao longo dessa narrativa de 400 páginas, traz várias informações sobre como também esses comportamentos foram alterados e como eles estão hoje.

Um episódio, por exemplo, dentro desse grande capítulo da cena LGBT, fala dessas transformações e de como as pessoas foram encontrando, a partir do desenvolvimento da ciência, forma de retomar suas individualidades e suas liberdades. 

O livro tem uma citação  de Luiz Antônio Simas.  Recentemente, ele disse que cultura é o campo simbólico onde você elabora sentido de mundo, ao analisar o processo de criminalização das culturas periféricas no Brasil. O para você, no século 21, o que significa moda?

O Simas é um gênio, um farol e uma leitura muito frequente para mim. Por isso, ele foi para a epígrafe. No primeiro livro, todas as epígrafes eram em inglês, estrangeiras, e, nesta edição, não fazia mais sentido nenhum e eu fui nesse grande mergulho para o Brasil.

E ele fala nessa citação que a turma festeja não porque a vida está fácil, mas porque a vida está dura. Essa geração era muito criticada pelo seu hedonismo, mas eu acho que nesse lugar a diversão também é algo político. E também é nesse viés da política que eu faço minha definição de moda.

Moda é mudança, é essa busca incessante por uma expressão pessoal. Não é necessariamente estar na moda, mas é a forma como a gente se apresenta para o mundo, é nosso primeiro cartão de visita. Eu gosto de ver a moda como um sistema de mudanças e, sobre esse aspecto, muito político. Tudo é política.

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