A dupla Trump e Netanyahu coloca o mundo perto de uma guerra mundial e de uma gigantesca crise econômica.
Em março deste ano, a chefe de Inteligência dos EUA, Tulsi Gabbard, colocada no cargo por Trump, afirmou que o Irã não estava desenvolvendo armas nucleares.
Quem quiser que creia na alegação de que o Irã estava.
Mas, sim, o Irã tem sido, nos últimos anos, um inimigo de Israel, mantendo com ele uma guerra por procuração por meio do apoio a grupos como o Hamas e o Hezbollah. E o Irã é, no Oriente Médio, a principal potência econômica e militar – depois, bem depois, claro, de Israel, país armado e financiado pelos EUA, e apoiado diplomática, política e ideologicamente pelas elites e pela mídia ocidental, não importam as atrocidades cometidas contra os palestinos.
A aversão ao Irã, entre a população israelense, não se restringe somente aos apoiadores de Netanyahu, o qual vinha enfrentando cada vez mais dificuldades internas. O primeiro ministro israelense tem perdido popularidade, em razão de acusações de corrupção, interferência indevida no Judiciário e inclusive entre parte dos apoiadores, como judeus ultraortodoxos que se recusam, por credo religioso, ao serviço militar e que Netanyahu queria recrutar.
Nada, então, como uma guerra externa, contra um inimigo comum, para mudar o foco dos problemas (inclusive o do genocídio em curso em Gaza) e reconquistar apoio interno.
A questão é que guerras, como diz o ditado, sabe-se como começam, mas não como e quando terminam. Há inúmeros exemplos históricos de guerras que duraram mais e causaram mais danos (a todos, inclusive aos supostos “vencedores”) que o previsto.
A dimensão da retaliação do Irã a Israel, por exemplo, talvez não estivesse prevista por Netanyahu.
Como comentou, nas redes sociais, o professor de relações internacionais da UFMG Dawisson Belém Lopes, apesar da evidente superioridade militar de Israel frente ao Irã, “vai também ficando claro que o lado iraniano consegue, sim, infligir estragos. Nesse sentido, importa menos a capacidade absoluta, e mais a relativa: se o Irã desmontar a crença reinante de que Israel é intocável, haverá importantes consequências físicas e psicológicas para o conflito no Oriente Médio”.
Disputa internacional
Foi por isso que Trump atacou o Irã, para salvaguardar a “intocabilidade” de Israel?
Ou foi para diminuir a influência da China, via Irã, no Oriente Médio e para dificultar a exportação de petróleo barato do Irã para a China?
Provavelmente ambos.
Submetido a sanções internacionais, o Irã exporta 80% a 90% de seu petróleo para a China, a preços mais baratos que os do mercado internacional, utilizando uma série de estratégias para driblar as sanções.
Para a China, o petróleo barato e de boa qualidade do Irã corresponde a uma parte importante de suas importações – em números que vão de 7,5% a 15% das importações chinesas dessa mercadoria, conforme as fontes. Não seria exatamente uma catástrofe para os chineses perder esse suprimento, poderiam comprar mais de outros fornecedores, utilizar suas reservas estratégicas ou acelerar a transição energética. Mas tudo isso demora certo tempo, e, portanto, a perda do petróleo iraniano representa, sim, um baque, ao menos temporário, para a economia chinesa.
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Mas o custo geopolítico para a China, de perder influência numa região vital como o Oriente Médio, é maior.
O custo, porém, não recai somente sobre a China, ou, obviamente, sobre as populações iraniana e israelense.
Recai, literalmente, sobre o mundo todo.
O Irã ameaça fechar o estreito de Ormuz, por onde passam cerca de 20% do petróleo mundial.
Certamente a retaliação norte-americana seria brutal, além de prejudicar as próprias exportações iranianas.
Mas há condições de o Irã, em vez de pura e simplesmente fechar o estreito, sabotar ou dificultar o fluxo de petróleo ao longo da região.
Isso já afetaria profundamente a economia do planeta, agravando a crise iniciada pelas tresloucadas tarifas de Trump, cujo objetivo final, mais uma vez, era atingir a China.
Trump, que se elegeu com um discurso não intervencionista, ao gosto de boa parte do eleitorado republicano, prometendo “tirar os EUA dessas guerras intermináveis”. Não está cumprindo a promessa. Não acabou rapidamente, como garantiu, com o conflito entre Rússia e Ucrânia, e agora pode lançar os EUA numa guerra com o potencial de gerar enorme crise energética e econômica – inclusive, claro, para os consumidores norte-americanos, o que traria uma queda ainda maior na sua já relativamente combalida popularidade.
A ver o que vai acontecer. Mas as perspectivas, com líderes como Trump e Netanyahu no poder, não são boas, inclusive para o Brasil.
Nunca o mundo precisou tanto de líderes minimamente transparentes e responsáveis.
Nunca isso esteve tão distante de extremistas de direita como Trump e Netanyahu.
Rubens Goyatá Campante é doutor em sociologia pela UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS)
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