Para o professor, economista e escritor Elias Jabbour, a democracia na China é frequentemente mal interpretada no Ocidente. Ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ele avalia que o país asiático desenvolveu uma “democracia não liberal”, em que o poder se organiza de forma ascendente e com forte participação das bases populares.
“Eu classifico a China como uma democracia não liberal, em que o poder se exercita de baixo para cima e sem mediação do dinheiro. O deputado federal na China é eleito na base, e essa figura tem que dar satisfações para a sua base o tempo inteiro. Ele é cassado pela base, não pelos seus pares”, explica. Segundo Jabbour, os parlamentares chineses passam a maior parte do ano nas comunidades em que foram eleitos, atuando como representantes locais e mantendo o contato direto com os eleitores.
Autor do livro China – O socialismo do século XXI, ele também destaca a existência de mecanismos consultivos no sistema chinês, como os conselhos populares, que reúnem representantes de aldeias, bairros e cidades para deliberar sobre políticas públicas. “No bairro que eu morava, em Xangai, nenhuma intervenção pública ou privada era feita sem aprovação da assembleia popular do bairro. No Brasil, isso não existe”, compara o professor, que viveu dois anos na China durante seu trabalho no Banco dos Brics.
Outro ponto enfatizado por Jabbour é o crescimento salarial no país, contrariando o estereótipo de que a China se apoia apenas em mão de obra barata. “Os salários na China crescem há mais de 10 anos acima da inflação, acima do PIB [Produto Interno Bruto] e acima da produtividade do trabalho. O trabalhador industrial na China ganha mais que um brasileiro hoje”, argumenta.
Sobre as tensões com os Estados Unidos, Jabbour analisa que a China não teme mais o país norte-americano. “Ela não quer guerra com ninguém, não quer confusão com os EUA, muito pelo contrário: quer aprofundar as suas relações americanas, medo não tem mais. A China já construiu todo um aparato produtivo, institucional, militar, industrial, bancário, financeiro capaz de enfrentar qualquer desafio que a realidade impõe a ela, inclusive um desafio americano”, conclui.
‘Esquerda que não reivindica a nação não é digna do poder político’
Para Elias Jabbour, um dos principais erros da esquerda brasileira está na falta de um projeto nacional que compreenda o Brasil em sua totalidade. Na sua avaliação, conceitos como socialismo, desenvolvimento, política industrial e projeto de país foram abandonados no debate público, o que compromete a construção de uma estratégia política sólida.
“As esquerdas na periferia do capitalismo que não reivindicam a bandeira da nação, que não reivindicam uma visão nacionalista ‘revolucionária’, […] são um tanto quanto estranhas”, opina. Segundo ele, experiências bem-sucedidas da esquerda em países periféricos passaram pela construção de blocos históricos cujo centro era a defesa da nação e de um projeto de desenvolvimento nacional.
Jabbour cita Cuba e China como exemplos onde os símbolos nacionais são valorizados pela esquerda, algo que, no Brasil, teria sido deixado de lado. “No Brasil, a esquerda entregou para a direita os símbolos nacionais. A esquerda não discute o Brasil enquanto projeto nacional”, critica.
Para o professor, qualquer caminho rumo ao socialismo no Brasil exige a formulação de um projeto que responda aos desafios estruturais do país com base em uma visão nacional. “Uma esquerda que não reivindica a nação, que só reivindica partes dela, não é digna do poder político”, declara.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.