Ouvir vozes, experimentar delírios e viver a psicose são experiências que, segundo a psicanalista Loraine Oltmann, não podem ser tratadas automaticamente como patologia ou perigo. Militante da luta antimanicomial, ela defende que “a psicose é uma linguagem que tem que ser decifrada” para que seja compreendida e acolhida, e não silenciada.
Ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, Oltmann critica a medicalização excessiva como estratégia de normatização social. “Muitas vezes vemos pessoas que estão tomando muito remédio, com muitos efeitos colaterais, para que fiquem totalmente sem sintomas, para que não expressem nenhum tipo de anormalidade, e a pessoa fica numa situação muito pior”, relata.
Para ela, há uma diferença entre medicar e medicalizar. “Medicar para o que a pessoa precisa, uma dose viável e que a pessoa aceite, e que tenha um diálogo com um médico que seja parceiro, é uma coisa. Outra coisa é silenciar totalmente aquela pessoa e deixar aquela pessoa ausente subjetivamente. O caminho é entender a autonomia, inclusive da pessoa de procurar o tratamento que para ela faz mais sentido”, afirma.
Ouvir vozes sempre existiu
Oltmann é integrante do grupo Nossas Vozes, formado por pessoas que convivem com experiências psicóticas e constroem caminhos de autonomia e cuidado fora da lógica manicomial. “Acreditamos que as pessoas podem ouvir vozes e continuar vivendo a vida delas, tendo autonomia. Isso é um processo de recuperação também. Então não precisa tirar todos esses sintomas”, diz. “Ouvir vozes como uma característica que sempre existiu na humanidade”, acrescenta, citando o filósofo Sócrates, da Grécia antiga, como exemplo histórico.
A psicanalista também denuncia o estigma que associa psicose à violência. “Muitas pesquisas mostram uma grande associação entre psicose e traumas de negligência, abuso, abandono, bullying, separação dos pais… Então a psicose sofre mais violência do que faz violência, só que estes casos que são muito mediatizados, muito sensacionalizados, chamam muito a atenção das pessoas”, indica. “Acredito que muitos dos problemas que envolvem essa questão estão muito ligados a esse estigma”, observa.
Segundo a psicanalista, o avanço na construção de cuidado em liberdade passa por um maior financiamento de políticas públicas e espaços como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), além do protagonismo de quem vive essas experiências. “Tem congressos de ouvidores de vozes em que quem palestra são os experts por experiência. […] Precisamos dar mais espaço para essas pessoas terem voz”, defende.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.