Não basta visibilidade ou campanhas publicitárias: é preciso naturalizar a existência de pessoas trans e garantir o respeito. Essa é a visão da historiadora, apresentadora e comunicadora Giovanna Heliodoro, conhecida nas redes como @transpreta. Ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ela defendeu a urgência de um debate mais profundo sobre a forma como a sociedade encara pessoas trans.
“Eu não quero que ninguém me aceite porque aceitar é criar um distanciamento. Ninguém precisa ser aceito pela sociedade, precisa ser respeitado”, afirma. Heliodoro ressalta que, apesar de ser constantemente elogiada por sua oratória e inteligência, esses reconhecimentos ainda vêm acompanhados de espanto: “Nossa, e ela é trans, não é?”.
“O que eu percebo é que, de fato, sou uma pessoa que subverti a minha realidade, hackeei a sociedade, ressignifiquei isso, mas, de alguma forma, eu sinto que também, ainda assim, tem algumas coisas que sempre vão me lembrar que eu não pertenço a isso”, desabafa.
A comunicadora defende o diálogo com pessoas que pensam de maneiras distintas, mas sempre com base em conhecimento. “Não é sobre opinar por opinar. É preciso embasamento. Só opinião não me interessa”, declara. “Eu quero falar também sobre ser uma mulher que chora, que ri, que paga boleto. Que sonha em ter uma filha. É nesses lugares de conexão e fé que nos encontramos”, conclui.
“Proteja as gatas”
Giovanna Heliodoro também comentou o movimento Protect the Dolls, surgido na Europa e adaptado no Brasil com a expressão “Proteja as Gatas”. A frase, que viralizou na Parada LGBT+ deste ano, foi incorporada por estilistas brasileiras e se tornou um grito de proteção às travestis e mulheres trans. Mas ela alerta que o debate não pode parar por aí. “Como conseguimos acolher aquelas pessoas que não se identificam especificamente com o termo dolls? […] Estamos falando de latinidades, de miudezas do Brasil que não estão inseridas dentro de uma perspectiva europeia”, observa.
Para a historiadora, apropriar-se de símbolos internacionais é válido, mas é preciso fazer isso de forma crítica e decolonial. E, mais do que representatividade, é necessário garantir oportunidades. “Proteger as gatas, em tradução literal, é um grito de socorro, mas também um grito por oportunidades para essa população que está deixada de lado”, explica.
Pink money só quando convém
Durante a conversa, Heliodoro criticou ainda o mercado que “usa quanto convém” a causa LGBT+. Segundo ela, neste ano, as marcas preferiram ações internas a convites públicos em redes sociais, revelando um recuo da visibilidade em meio à onda conservadora, com a ascensão da extrema direita no mundo.
“Esse mesmo mercado que levantou as nossas bandeiras, o quanto era importante para eles, quando isso se revertia em pink money [poder de compra e consumo da comunidade LGBT+], em renda, fazia sentido. Mas quando não está mais revertendo ou quando o mundo inteiro está dizendo que não é para acolher essas pessoas, as marcas automaticamente retrocedem”, lamenta.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.