Aqueles feudos estruturados em defesa de interesses de famílias que no passado controlavam determinados territórios, estão de volta?
Será verdade que os coronéis de agora, que se expressam através de aglutinações corporativas dominantes no Congresso já se consolidaram como feitores nacionais tão poderosos, em pleno regime presidencialista, que podem acabar com ele? Com a novidade de que os novos coronéis não se resumem aos senhores de terras. Agora seus latifúndios ocupam a comunicação, os interesses financeiros, a espiritualidade de mercado e o apontamento do que merece validade científica. Se sentem tão seguros do controle que exercem sobre o inconsciente coletivo, e desprezam a tal ponto o que resta de consciência nacional, que decidiram explicitar sua gula, e fazer tudo ao mesmo tempo agora.
Ontem (26), evidenciaram sua disposição de, no mesmo bote, ameaçar, sufocar e desmoralizar o governo eleito. Manietado pela sangria de recursos transferidos pela falcatrua das emendas secretas, a serviço de decisões de parlamentares oposicionistas; em situação agravada pela impossibilidade de acessar novas fontes de arrecadação pela revogação de decretos que deveriam ser de sua responsabilidade; e preso ao compromisso de não privatizar estatais, o governo Lula se afoga percebendo que contribuem para isso inclusive alguns “aliados”, partes daquilo que se acreditava serem as bases de uma governabilidade de coalizão.
Como o sapo cozido na água aquecida aos poucos, se distraindo e perdendo o momento de reação, o projeto de governo Lula pode ter deixado de existir na noite da última quarta-feira (25). Ali o congresso estabeleceu a impossibilidade de execução das políticas inclusivas prometidas, ansiadas e necessárias, que davam base à sua razão de ser. Sem elas, com os filtros da mídia golpista, com a drenagem de recursos promovida pelas taxas de juro do “nosso” banco central, de pouco valerão o controle da inflação, a expansão dos empregos, e a retomada da credibilidade internacional. Estão sendo feridos de morte programas orientados para a inclusão social, e isso – não apenas na leitura das grandes redes de fake news – notabilizará este governo como traidor de suas intencionalidades e fraudador de promessas que minimamente atenderiam expectativas de milhões de excluídos.
Num resumo breve, para citar fatos: os golpistas, que incluem bases importantes do governo lula, instaladas em ministérios, definiram em votação acachapante na câmara, referendada no senado, que não haverá recursos para atendimento dos compromissos desse governo. Para viver, ele deverá ser outro. Não poderão ser cobrados impostos sobre operações financeiras, nem sobre gastos no exterior, nem sobre super rendas e outras coisas típicas dos barões, seus associados e parlamentares de coleira. Com isso o coronelismo se reforçará. Não apenas os investimentos possíveis ficarão a cargo daqueles parlamentares que já abocanham R$ 50 bilhões do orçamento, como aquele grupo será ampliado com novas vagas (de 513 passaremos a ter 531 deputados federais, e isso também repercutirá no inchamento dos legislativos estaduais). As estimativas, que variam muito, sustentam que com isso o mesmo legislativo que impede ampliação das receitas do governo determina expansão em suas despesas… talvez mais R$ 150 milhões ao ano.
O governo pode recorrer a justiça? Sim. Afinal o IOF que era mais de 6% no governo Bolsonaro, cairá para menos de 2%. E legalmente o governo pode tomar esta decisão.
O governo também poderia fazer como Temer e Bolsonaro, e vender estatais. Mas não fará isso, assim como não deixará de repassar recursos a seus inimigos políticos. Poderia descumprir aquele teto de gastos asfixiante, que não tem paralelo em local algum do planeta. Mas já assumiu que não o faria…
O que lhe resta? Como atender compromissos com despesas fixas e projeções de investimento?
Terá que cortar recursos de programas como Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha casa minha vida, Luz para todos, Bolsa escola, fome zero, Obras do PAC e outros tantos.
E os golpistas do congresso querem exatamente isso: que o governo peça permissão para sangrar aqui, ali e acolá, assumindo que desistiu de existir e que vai abandonar os desvalidos, por vontade própria.
Os golpistas aprovarão sob críticas acusatórias. E com a queda de popularidade resultante, se ainda assim Lula mantiver viabilidade político eleitoral, e porque estarão mais poderosos, darão largada ao impeachment.
Parece só haver uma saída: Lula precisa vir a público, esclarecer o que está ocorrendo e pedir apoio à população. Neste rumo ele poderia assumir o fato de que sozinho não dará conta, e chamar o povo à rua, para que o povo assegure seu lugar no orçamento. Entretanto, por seu perfil, sendo Lula quem é, e tendo receio de uma convulsão social de consequências imprevisíveis, ele não fará isso.
Talvez possa demitir ministros de partidos da base que não honram seus compromissos, abandonar as pautas daqueles ministérios e poupar alguns trocados com isso? Quanto? E a que custo? Afinal, este caminho também ampliaria a energia daqueles que movimentam pró-impeachment.
A situação é tão complicada que, levando em conta os milagres que acompanham a trajetória do Lula, talvez apareçam e se viabilizem saídas até aqui aparentemente desconsideradas pelo governo e pelos golpistas.
Penso, por exemplo, no potencial de mobilizações populares em favor de plebiscitos pelo fim da escala 6X1, pela taxação dos super ricos e pelos tribunais populares contra os agrotóxicos, entre outras iniciativas de caráter educativo e emancipatório projetadas por organizações sociais, para este ano. Não estão sendo chamadas pelo governo, se colocam como demandas sociais relevantes, são ética e moralmente justificadas…. e em conjunto com certeza podem alimentar um tsunami contra a naturalização do coronelismo fascista. E afinal, mesmo dando em nada, será melhor do que nada.
Tudo depende do que o governo fará nos próximos dias. E até por isso, enquanto esperamos qualquer sinalização de quem está com a vara na mão, vamos a outro assunto.
Foto de divulgação – Lançamento do Dossiê – Danos dos Agrotóxicos na saúde Reprodutiva.
Esta semana aconteceu em Porto Alegre o ToxiLatin 2025.
Não houvesse ocorrido aquele golpe parlamentar, este seria o objeto desta coluna. Para sumarizar, porque este texto já se alonga: em uma de suas atividades, diversas organizações sociais e grupos acadêmicos participaram de roda de debates envolvendo o lançamento do Dossiê – Danos dos Agrotóxicos na saúde Reprodutiva. Ali, depoimentos de organizações como o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, a Agapan, a Associação Amigas da Terra, o MST, e o Movimento Ciência Cidadã, entre outras, evidenciaram a perversidade de mecanismos atuantes no Brasil, que favorecem ocultações de uma realidade ofensiva aos direitos e à saúde humana e ambiental.
Essencialmente, os debates apontaram falsificações no método científico e distorções nos processos de comunicação social que se concretizam em flexibilizações legislativas permissivas à evolução de tragédias (permissão para que transnacionais vendam aqui agrotóxicos não autorizados em seus países de origem), validação de fraudes cientificas (limites “aceitáveis” de tolerância para a saúde humana, até 5 mil maiores para os brasileiros, em relação a europeus), e reiteração de absurdos como a hipótese de “uso seguro” no caso de venenos sabidamente cancerígenos, teratogênicos, mutagênicos, e com impacto direto sobre o sistema reprodutivo de seres humanos, entre outros.
Como exemplo escandaloso do pouco caso atribuído aos impactos dos agrotóxicos à saúde reprodutiva, o dossiê informou à sociedade brasileira que nos últimos 43 anos, duas das mais relevantes instituições acadêmicas da América Latina (USP e Unicamp) publicaram, juntas, tão somente 6 estudos sobre este tema. Destaque-se: sendo este país o maior consumidor global de agrotóxicos, e sabendo-se que aqui se utilizam oficialmente 800 milhões (um bilhão considerando as estimativas de contrabando) de litros de agrotóxicos, e considerando a explosão de casos clínicos de doenças apontadas internacionalmente como relacionadas àqueles insumos, o que explicaria tamanho silêncio por parte da comunidade cientifica?
Uma das hipóteses diz respeito à combinação que associa a captura das agências de pesquisa e produção técnico cientifica, por interesses relacionados ao agronegócio exportador, à ocupação de instituições públicas e, principalmente, à contaminação de instancias do judiciário e do legislativo por grupos comprometidos com os mesmos interesses.
E aqui retornamos ao tema do coronelismo que em sua modalidade atual domina o congresso nacional. Ali, ao mesmo tempo em que predomina orientação que nos regride à condição obscurantista de colônia exportadora de matérias primas de baixo valor agregado, reforça-se a representação dos chamados interesses ruralistas. Destaque-se: somos uma população eminentemente urbanizada. Ainda assim, nos fazemos representar no congresso nacional por grupos de interesses majoritariamente comprometidos com negócios do interesse de ruralistas ignorantes ou abertamente negacionistas em relação aos efeitos colaterais de suas atividades. E são atividades que nos afrontam. Atividades ecocidas, aceleradoras do aquecimento global, que envenenam a água, ampliam catástrofes climáticas e são ostensivamente prejudiciais à saúde humana e ambiental.
Estes temas, que foram esmiuçados na atividade da Rede Interseccional de Saúde Reprodutiva e Agrotóxicos (veja no Dossier) reforçam a importância de articulações populares em defesa do conceito basilar de metabolismo ecossistêmico. A saúde do todo depende da saúde das partes, e vice-versa. A saúde humana não se dissocia da saúde ambiental, porque todos os organismos componentes de um ecossistema atuam como elementos operacionais de redes interconectadas.
Vale o mesmo na sociedade.
Por isso, da mesma forma que a ocultação de interesses contidos nas tramoias conduzidas por parlamentares envolvidos com a defesa dos agrotóxicos alimenta a criação de zonas de sacrifício para nossas famílias (que serão acometidas por problemas de câncer, mal formação fetal e outras tragédias), também a desinformação sobre intencionalidades daqueles que estão acuando o governo Lula, comprometem o futuro de todos nós.
Pensando nisso, e entendendo que já está passando da hora de irmos todos às ruas, em defesa do povo no orçamento, de uma ciência cidadã comprometida com o metabolismo social, bem como de uma forte representação parlamentar comprometidos com a defesa da democracia e dos direitos humanos, acredito na construção, com dignidade, de um Brasil com projeto de futuro.
Ou pelo menos, quero crer nisso.
Sobre o tema das flexibilizações legislativas, vale o convite para participações presenciais ou virtuais na atividade promovida pela Ajuris, que pode ser acessada conforme orientado a seguir.

A música? Homens de preto.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.