A relação entre o Congresso Nacional e o governo federal tem se tornado cada vez mais desgastada, especialmente diante da dificuldade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em consolidar uma base de apoio sólida no Legislativo. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), comentou os resultados da pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta quarta-feira (2), que mostram uma avaliação negativa do governo por parte de deputados, inclusive da base.
“A base do governo é muito reduzida, a base fiel”, afirma. Para Santana, o atual modelo de compartilhamento de poder por meio da distribuição de ministérios tem se mostrado ineficiente. “Os ministérios são insuficientes para agradar esses parlamentares. Hoje, as emendas impositivas são muito mais atrativas. Ter um montante à sua disposição e poder efetivamente mandar [esse dinheiro] para as suas bases eleitorais é muito mais atrativo do que ter um ministério, muitas vezes com recursos limitados”, analisa.
A pesquisa Quaest mostra que 46% dos deputados avaliam o governo de forma negativa, e 77% acreditam que Lula não fez uma reforma ministerial efetiva. Para a cientista política, o desgaste é acentuado por derrotas no Congresso, como a recente votação sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “O ministro da Fazenda Fernando Haddad não constituiu uma interlocução adequada com o presidente da Câmara [Hugo Motta (Republicanos-PB)]. Isso fez com que houvesse a derrota”, aponta.
Além da limitação orçamentária, Santana também observa que há “incoerências” no comportamento da própria base aliada, com parlamentares governistas votando contra o Planalto. “O que surpreende, a meu ver, são deputados do partido do presidente votando de maneira contrária ao governo. É um problema interno que o próprio presidente Lula precisa resolver”, defende.
Para ela, o enfraquecimento do Executivo diante do Legislativo não é novo, vem desde o fim do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, mas tem se aprofundado nos últimos anos. “Conseguimos perceber uma fragilização da instituição presidência da República em detrimento do Legislativo”, diz. Santana avalia que os dados da Quaest podem funcionar como “uma forma que o presidente Lula pode ter elementos à sua disposição para repensar a articulação com o Congresso”.
Resistência ao fim do 6×1 mostra distância entre Congresso e população
Entre os temas avaliados pela pesquisa Quaest, o fim da escala 6×1, que prevê apenas um dia de descanso e seis dias consecutivos de trabalho por semana, teve forte rejeição entre os deputados: 70% disseram ser contra a proposta. A cientista política Luciana Santana considera que essa resistência explicita o descompasso entre os interesses do Legislativo e as demandas da população.
“É uma pauta de interesse da população, não é só da deputada Erika Hilton (Psol-SP) e do governo Lula, que já encampou e pretende levar adiante o apoio a essa proposta”, destaca. Segundo a professora, muitos parlamentares mantêm vínculos com o setor empresarial e, por isso, priorizam interesses econômicos privados. “Mas eles estão ali como representantes da população, e não dos seus próprios interesses”, lembra.
Luciana alerta que, caso essa proposta seja adiada, pode se tornar ainda mais delicada para os deputados em ano eleitoral. “Quanto mais próxima à eleição, isso pode se voltar contra os próprios parlamentares”, observa. A especialista destaca que estudos internacionais indicam que jornadas menos exaustivas aumentam a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores. “Esses temas, por mais que haja resistência, são necessários de serem votados, porque depois não dá para provocarem o STF [Supremo Tribunal Federal] e dizerem que seus poderes estão sendo usurpados”, reforça.
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