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‘PT tem que assumir protagonismo’, diz Leninha, candidata à presidência do partido em MG

‘Zema só acumulou perdas para Minas Gerais’, destaca deputada

Acontece neste fim de semana, no dia 6 de julho, o Processo de Eleições Diretas (PED) do Partido dos Trabalhadores, onde são eleitos os dirigentes e presidentes municipais, estaduais e nacional da legenda. O período congressual acontece em um contexto conturbado, com o Congresso Nacional tentando “encurralar” o governo federal, a intensificação do enfrentamento à extrema direita, e, em Minas Gerais, um cenário marcado por diversas contradições.

Deputada estadual e primeira vice-presidenta da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Marilene Alves de Souza, conhecida como Leninha, é uma das candidatas à presidência do PT do estado. Em entrevista ao Visões Populares, ela avalia que o partido precisa assumir um protagonismo diferente em território mineiro, diante dos desafios atuais. 

“Nós tínhamos, em Minas, a tradição da prática da boa política. O contexto é muito diferente hoje. Temos um governador que, do ponto de vista de projeto de Estado, só acumulou perdas”, pontua.

Graduada em ciências biológicas e mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Leninha foi também professora nas redes estadual e municipal de ensino, sendo eleita diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) e, posteriormente, presidente regional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Norte de Minas. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato MG – Você concorre à presidência do PT de Minas Gerais. Como se dá a disputa interna no partido e quais são as suas expectativas para o PT no próximo período?

Leninha – O PED é o processo de eleições diretas do PT, que é o único partido que, na história política brasileira, faz um processo democrático interno no qual os seus filiados votam de forma secreta para eleger a presidência e os dirigentes.

O filiado vota para a composição dos diretórios nacional, estadual e municipal, a cada três anos. Dessa forma, as muitas forças que constroem internamente o partido se auto-organizam para formar o PT.

A minha expectativa é que tenhamos um bom debate com a militância, não só sobre as conquistas do PT no Brasil, mas, principalmente, sobre os desafios que nós temos. Vivemos um momento de acirramento da polarização, da disputa ideológica e da “pauta moralista”, que quer calar temas mais importantes como a questão da fome e da desigualdade. 

A reconexão com a militância é fundamental para escutar não só o lamento e o clamor, mas o que cada cidade está vivendo, além de projetar o futuro. Os debates passam pela questão econômica, cultural, ambiental, social, etc. É discutir sobre as cidades. O PT só vai ser forte quando for forte nos municípios. O PT só vai ser protagonista de uma nova história quando começarmos também a protagonizar nas cidades. 

A minha expectativa é de que tenhamos um bom processo de debate, uma boa eleição, e que possamos, no desfecho, formar uma boa composição da presidência e dos diretórios municipais, estadual e nacional.

Com o governo Zema (Novo), Minas tem enfrentado diversos debates, como a adesão ao Propag, a tentativa de flexibilização da legislação ambiental e os ataques às empresas públicas. Como você analisa a conjuntura do estado? 

Não resta dúvida de que o governo Zema representa o projeto neoliberal de desmonte do Estado, e, cada vez mais, retira os mais pobres e quem mais precisa do orçamento.  É um governo que concede isenção fiscal para os mais ricos e penaliza os mais pobres. 

Zema não moveu uma palha para discutir a dívida de Minas. Ficou esse tempo todo nadando nas boas condições, falando que é um governo eficiente, mas vai entregar o Estado com uma dívida muito maior do que recebeu. 

A ALMG  tem feito um papel muito importante. É fundamental também reconhecer o papel do senador Rodrigo Pacheco, que propôs o  Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), que pode ajudar a organizar o pagamento das dívidas de Minas Gerais e de outros estados que vivem situações semelhantes.

:: Leia também: Zema usa brechas no Propag para tentar privatizar UEMG, EMC e estatais, avaliam especialistas :: 

O governo Zema pegou carona e entrou na onda do Propag. Recentemente, apresentou também um projeto que retira a obrigatoriedade de realização de um referendo popular para poder privatizar as empresas estatais, como Cemig e Copasa. Desde o governo de Itamar Franco, está na Constituição de Minas que a população mineira deve participar da decisão sobre a venda dessas empresas, que são patrimônio do povo.

Ou seja, Zema quer privatizar o serviço público, sem a participação dos mineiros e das mineiras. Barrar isso é a primeira luta que vamos fazer. 

Outro ativo importante é a Codemig, responsável pela maior jazida de nióbio do mundo, que o governo também incluiu na lista para privatização ou federalização. Queremos que haja uma avaliação bem feita sobre a empresa, que deve representar os 20% necessários para amortizar a dívida do estado com a União. Na nossa perspectiva, a transferência da companhia para o governo federal não compromete o serviço para o povo mais pobre. 

Uma coisa é você transferir uma empresa que processa o nióbio, outra coisa é falar da Cemig e da Copasa. Como é que a gente vai colocar para privatizar um bem tão importante como a energia elétrica? Como é que a gente privatiza a água? O Estado tem que cuidar dessas áreas. Nos interessa lutar para que não tenhamos perdas que comprometam o futuro das comunidades mais pobres. 

A nossa tarefa não tem sido fácil. A conjuntura realmente ficou muito complicada. Zema está viajando e deixou aqui todo esse problema. A minha expectativa é de que consigamos fazer uma boa obstrução na ALMG e um estudo mais aprofundado. 

Zema segue tentando se projetar como uma opção viável da extrema direita para concorrer à presidência em 2026. Como você enxerga a atuação nacional dele e como a extrema direita tem se organizado para disputa eleitoral? 

Minas Gerais sempre foi um estado que contribuiu para a política nacional. Nós temos a tradição da prática da boa política. Não quer dizer que tivéssemos ampla unidade, mas, dentro da diversidade, procurou-se construir pontes para o bom diálogo, para a boa construção da política. 

O contexto é muito diferente hoje. Temos um governador que, do ponto de vista do projeto de Estado, só acumulou perdas para Minas Gerais. Até então, o que a gente viu foi isenção fiscal para os grandes empresários e redução orçamentária dos projetos para o desenvolvimento social. 

Temos um governador que flerta com o fascismo, que vai visitar um sistema autoritário e desumano como o de El Salvador, onde há aprisionamento em massa e condições precárias de vida. Lembramos também daquele episódio em que ele perguntou se a Adélia Prado trabalhava em uma rádio ou ainda de quando demonstrou não saber o que é a Fundação Ezequiel Dias (Funed). Vê-se que é uma pessoa que não tem vida pública e que chegou no governo pela onda de negação da política. 

Na minha avaliação, ele está tentando se cacifar para ser um dos nomes nacionalmente. Se não for para presidente, podem achar que ele seria um bom vice-presidente, já que Minas Gerais é um estado importante no processo eleitoral nacional.

Zema, inclusive, fica querendo lacrar com o Lula com esse intuito, provocando, fazendo vídeos ridicularizando a política. Ele representa a não política e temos vergonha de ter esse quadro em Minas Gerais.

Da mesma forma, eu penso que a extrema direita, com a inegibilidade do Bolsonaro, está em disputa entre o Tarcísio e o Caiado, para ver qual será o nome do bolsonarismo, que ainda existe, mesmo que o ex-presidente tenha sido retirado da cena. É o projeto do fascismo que vai se materializar em outro nome. 

Eu avalio que não será o Zema. Ele quer se colocar, mas existem nomes mais fortes que o dele na disputa. É mais provável que ele vá ser candidato a vice ou a senador.

A situação de Minas Gerais é lamentável. De um lado, temos Mateus Simões, atual vice-governador e pré-candidato à governador, com apoio de Zema. Do outro lado, temos Nikolas Ferreira, Bruno Engler, Cleitinho, etc. Olha para onde estamos conduzindo a política mineira. Por isso, temos que fazer um bom debate sobre a disputa majoritária. O PT tem que assumir um protagonismo diferente na política mineira e brasileira.

Qual é o papel do Partido dos Trabalhadores no combate à extrema direita? 

O PT foi forjado no meio da luta sindical e social e sabemos que os movimentos se arrefeceram nos últimos anos. Mais do que isso, o PT foi se desligando dessa conexão com o movimento social. Temos lutas novas, por exemplo, de enfrentamento às mudanças climáticas, de combate a todo tipo de racismo, xenofobia, etc. Precisamos nos reconectar com essas lutas. 

Podemos fazer mais, fortalecendo o movimento da luta pela terra, da luta pela moradia, por cidades sustentáveis, da juventude, das mulheres, da população negra, das religiões mais diversas, etc.

Os povos e comunidades tradicionais estão sendo “esmagados” pelos grandes empreendimentos da mineração, da monocultura e dos grandes negócios. Nós estamos sofrendo ataques constantemente e temos perdido a força mobilizadora para fazer os enfrentamentos.

Tem resistência, é claro, não nos entregamos nessa luta, mas sinto que falta um pouco de sinergia. A luta daqueles que falam sobre o clima deve ser a luta daqueles que falam pelo teto, pela terra, pela água, etc. Nós temos que fazer uma unidade maior das pautas e das lutas que temos que enfrentar. 

Precisamos, a partir de temas mobilizadores, ir trabalhando as demais questões. Nunca tivemos uma reforma agrária no Brasil, a luta pela terra é uma luta antiga e o governo é disputado também pelo agronegócio.

Precisamos manter a pressão, porque tudo para nós foi com pressão. A nossa luta nunca foi fácil. A luta do povo pobre sempre foi difícil, mas as conquistas vieram dessas lutas, desses momentos. Por isso, o partido tem um papel fundamental de ajudar a aglutinar essas forças para fazer diferença na sociedade.

E no cenário nacional? Quais são os principais desafios?

O PT segue sendo um partido que tem uma força política muito grande, inclusive para defender a democracia, o que é fundamental. Uma coisa cara para todos nós é defender a democracia dos ataques da extrema direita.

Nós precisamos acompanhar a crescente evolução da tecnologia, que vem sendo usada pela extrema direita para confundir a população. A inteligência artificial, o uso das redes sociais, em parceria com as big techs, etc. Precisamos de uma formação política tecnológica. O WhatsApp, o TikTok, etc, chegam em todos os lugares deste país e  as pessoas estão conectadas em qualquer comunidade. Mas as informações que chegam são para confundir o povo.

Eu cito dois exemplos e são a eles que eu atribuo a queda de popularidade do nosso governo Lula. O primeiro foi a história do Pix, de que o governo supostamente ia cobrar pelas operações, mentira que a extrema direita usou bem. A segunda questão foi sobre a previdência e os desvios nas contas dos aposentados do INSS, que eles atribuíram ao governo Lula. Se formos analisar os dados de pesquisas, veremos a queda de popularidade do governo nesses dois períodos. 

Eles têm núcleos de comunicação só para pensar em fake news e distorcer informações do governo federal.  E isso chega numa velocidade tão grande, que é muito difícil de combater. Às vezes, gastamos muito tempo para fazer a desconstrução da mentira que foi passada.

Então, a força da comunicação tem sido tão potente que é capaz de construir, mas também de destruir. E qual perspectiva nós temos? Enquanto estivermos mais analógicos e menos tecnológicos, vamos ter muita dificuldade para combater as narrativas que a extrema direita tem espalhado pelo Brasil. E são muitas.

Com o uso da inteligência artificial na eleição passada, acompanhamos algumas cidades onde pegavam o candidato a prefeito e forjavam a voz com coisas que ele não disse, com projetos e propostas que ele não estava propondo. E isso afetou o resultado. 

Também falta, na minha avaliação, o trabalho de base. A gente vem fazendo essa conexão com muitos grupos das periferias. Tem ainda um fenômeno ligado às igrejas neopentecostais e uma parte conservadora da Igreja Católica, que é o anti-petismo, anti-lulismo e anti-comunismo.

Eu penso que, no cenário futuro, se não conseguirmos reorganizar isso, para enfrentar as eleições de 2026, o orçamento seguirá capturado pelo centrão. A força do centrão se renova a cada ciclo e é impressionante como há uma migração das forças. Uma hora o centrão estava apoiando o bolsonarismo, agora migra para apoiar um governo mais à esquerda, tudo com interesse partidário e pessoal. É o governo que está sustentando essa base com as emendas e com o orçamento secreto.

São desafios enormes, mas eu creio na força da comunicação, na força da formação que precisamos fazer, e da luta de classes no Brasil.

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