Ouça a Rádio BdF
Sociólogo, Doutor em Ciência Política. Diretor da Democracia e Direitos Fundamentais. Conselheiro Instituto Novos Paradigmas e Brazil Office Alliance.

A crise do multilateralismo e os caminhos do Sul Global

O caminho do Sul Global para ampliar sua capacidade política em um novo arranjo de governança passa pela dimensão econômica

Nestes próximos dias, mais exatamente entre os dias 3 e 8 de julho, o que se chama de Sul Global tem dois importantes encontros de cúpula, o Mercosul em Buenos Aires e o Brics no Rio de Janeiro.

Nestas duas cúpulas se encontrarão quase duas dezenas de países com distintos governos, quanto a sua orientação política, e distintos regimes políticos. Estamos falando de países democráticos com governos progressistas como Brasil e Uruguai, países de economia planificada e um partido comunista na direção do Estado como a China, até monarquias absolutistas com orientação reacionária como a Arábia Saudita, por exemplo.

Há, entretanto, um elemento que os coloca em um mesmo grupo de interesses estratégicos na geopolítica internacional. Todos são países que não participam do núcleo da hegemonia global formada pelos Estados Unidos e União Europeia, com um ou outro país acessório.

A despeito das enormes diferenças entre esses países não centrais no interior do sistema neoliberal, diferenças que não estão exclusivamente no campo da política, mas também no campo da economia, como seu tamanho, seu grau de industrialização e sua inserção dependente no mercado global, todos sofrem uma interdição política em função da impossibilidade de completar seu processo de desenvolvimento e autonomia econômica mantido o atual arranjo de poder internacional, inclusive militar.

O atual arranjo de governança global e de poder está em crise porque há um descompasso entre posições nas esferas de decisão e o peso econômico entre os países do Norte e do Sul Global. O governo dos EUA, de Donald Trump, tomou uma ofensiva na política internacional que corroeu o que sobrava de multilateralismo nas esferas de negociação global. O multilateralismo entrou em sua fase da maior crise em função de três grandes políticas do Norte Global: a ofensiva anti-imigração, a guerra tarifária do governo Trump e o apoio ao governo de Israel na guerra de extermínio contra a população palestina.

O caminho do Sul Global para ampliar sua capacidade política em um novo arranjo de governança passa pela dimensão econômica. Será o maior peso nas esferas do comércio e da cooperação institucional e científico, que forçará a alteração da composição e papel dos organismos internacionais. Alternativas de integração regional e de comércio direto entre países fora do Norte Global são fundamentais.

Contudo, é preciso alertar que esta é uma tarefa dificílima. No Sul Global há países fortemente influenciados e dependentes, em especial, dos Estados Unidos como a Arábia Saudita, Emirados Árabes e Argentina. O crescimento da extrema direita na grande maioria do Sul amplia a fragmentação e as dificuldade de movimentos de contra hegemonia.

A importância do governo progressista do Brasil, liderado por Lula, em que pese suas dificuldades no confronto aberto pele extrema direita e centro-direita, é fundamental. Ainda que com esses limites, é o governo brasileiro que possui capacidade de trânsito entre os vários “setores” e “posições” entre os governos do Sul.

Para isso, é preciso um movimento mais decisivo em direção a acordos em vários campos, inclusive em defesa, domínio espacial e tecnologia, com as maiores economias do Sul Global como China e Índia. Um passo adiante nos acordos entre Brics, Mercosul, Cepal, revitalização da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas) – investindo na relação com gigantes potenciais como Angola, Nigéria e Costa do Marfim – pode desestabilizar este arranjo hegemônico, forçando à aceitação de novas posições políticas e novas regras de relacionamento que pesem a balança global favoravelmente aos países do Sul Global.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.

Veja mais