Por meio do projeto Que Lama É Essa?, o grupo de pesquisa Educação, Mineração e Território (EduMiTe), do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coletou amostras de água de diferentes localidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), com o objetivo de monitorar a qualidade hídrica da bacia do Rio das Velhas.
A pesquisa, que teve início em agosto do ano passado, também busca entender a relação entre partículas de minérios encontradas nas águas e as barragens de rejeitos presentes na RMBH.
História
O projeto nasceu em 2022, quando o EduMiTe recebeu lama de enchentes recolhidas por moradores de diferentes lugares da bacia do Rio das Velhas e das bacias dos rios Paraopeba e Doce. É o que conta a coordenadora do projeto, Daniela Campolina, em entrevista ao Brasil de Fato MG.
“O projeto começou em 2022, quando houveram enchentes no mês de janeiro, na mesma época do deslizamento de rejeitos da mina Vallourec, em Nova Lima, que chegou até a BR 040. Vários municípios foram afetados por essas enchentes”, lembra.
Além disso, ela explica que, pelo fato de o grupo estar envolvido com movimentos ativistas que atuam na luta pela preservação ambiental, muitas pessoas entraram em contato com os pesquisadores para se inteirar melhor sobre a lama que os afetou.
“E nós, que somos do grupo de pesquisa, temos atuações na comunidade, apoiamos os movimentos ativistas. Portanto, somos procurados por pessoas que mandam fotos perguntando: mas que lama é essa?”, conta Campolina.
Os moradores, após o contato com os pesquisadores, explicaram que a lama que os afetou continha características distintas da lama comum. Mau cheiro, brilho e viscosidade estranhos eram exemplos do aspecto do barro.
“Os moradores observaram que a característica dessa lama era muito distinta de uma lama de fundo de rio. Então, automaticamente, eles associavam e perguntavam: ‘será que essa lama tem alguma coisa a ver com barragem?’ Porque todos esses pontos eram pontos próximos a barragens”, revela a pesquisadora.
Na mesma época, o grupo fez a coleta das amostras e, já em 2023, deram prosseguimento ao estudo com o apoio da ex-deputada federal Áurea Carolina (Psol) e de outros parlamentares e instituições.
Coleta
Já em 2024, Daniela Campolina conta que o grupo encontrou um novo desafio: buscar novos lugares para dar continuidade às coletas e às análises. Assim, em agosto do ano passado, foram realizadas três expedições de campo em pontos estratégicos nos municípios de Itabirito, Rio Acima, Raposos e Nova Lima, na região do Alto Velhas.
O EduMiTe explica que os pontos visitados foram escolhidos de forma a contribuir para um melhor diagnóstico da rede hidrográfica no Alto Velhas, possibilitando monitorar e mapear contaminantes no percurso do Rio das Velhas e seus afluentes.
“Nós fizemos coleta de água, sedimento e solo. E a escolha desses pontos foi uma das coisas mais trabalhosas, porque eles não coincidem necessariamente com os pontos onde houve a coleta da lama em 2022”, relata a pesquisadora.
“Ao longo de 2024, nós investimos um tempo considerável e muitos esforços em definir qual seria a área que a gente iria selecionar esses pontos”, completa.
Análises
A pesquisadora ressalta que a complexidade do tema é grande. Não existe, até o momento, um teste laboratorial que permita determinar de forma direta e inequívoca a origem da lama.
O comportamento da lama, especialmente quando associada a enchentes, apresenta dinâmicas específicas, exigindo um esforço multidisciplinar e continuado de investigação que envolve, inclusive, a construção de novas metodologias de análise e pesquisa.
“Diferente da análise de água, na qual você tem a metodologia para analisar se há determinadas substâncias, com relação à análise da lama, não existe uma metodologia específica”, explica a pesquisadora.
Mesmo com a dificuldade para obter respostas, o grupo buscou novos caminhos para, a longo prazo, terem resultados concretos, tendo como base a hipótese de uma ligação entre a lama e as mineradoras. Nesse processo, o grupo estruturou o conceito chamado de “complexos de barragens”.
Complexos de Barragens
Segundo o EduMiTe, o chamado Complexos de Barragens é uma “ferramenta analítica essencial para compreender a organização territorial e os potenciais impactos das barragens de mineração sobre os corpos hídricos contribuintes do Rio das Velhas”.
Essa ferramenta foi desenvolvida com o objetivo de mapear e qualificar espaços com grandes concentrações de barragens, para entender quais danos a proximidade das estruturas das mineradoras com as comunidades podem causar.
“A formulação do conceito foi motivada pela constatação da existência de um grande número de barragens distribuídas em um mesmo espaço geográfico”, afirma o EduMiTe.
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O Complexos de Barragens, portanto, colabora para fiscalização e monitoramento da região.
“A gente conseguiu separar quais são as barragens que têm a ver com quais córregos em qual região. Isso é um diferencial, é uma inovação. Nem a Agência Nacional de Mineração tem essa informação. Existem dados, mas que não estão organizados. O que que o EduMiTe faz? Ele utiliza dados oficiais que são da Agência Nacional de Mineração e transforma isso em informações”, explica Daniela Campolina.
Além dos monitoramentos e do mapeamento possibilitado pelo Complexo de Barragens, a pesquisadora destaca sobre a importância do monitoramento feito pelos próprios moradores.
“Quando nós observamos uma alteração na cor do Rio das Velhas, um já vai comunicando com o outro. Então, é algo que nós já temos feito de uma maneira empírica. Inclusive, fizemos denúncias de vazamento e poluição. A ideia é qualificar, formar essas pessoas que são moradores e que estão de olho no rio”, finaliza.
Primeiros resultados
Os primeiros resultados foram transmitidos, na última semana, em live disponível neste link. É possível acessar também as informações no artigo elaborado pelo grupo de pesquisas, disponível neste link.