Este artigo está sendo necessário para atender a leitores que desejam compreender questões como: (i) porque ocorre retorno de águas (e esgotos) nos bueiros (bocas-de-lobo)?; (ii) porque a água da chuva fica acumulada?; (iii) que prejuízos as cheias causam?: (iv) É importante retirar as terras dos arroios (fazer dragagem) dos e dos rios?; (v) porque falta energia elétrica quando chove?; (vi) porque nossos engenheiros e conhecimentos não são aproveitados? E inúmeras outras questões.
Vamos tentar entender, para aumentar a nossa consciência sobre o tema e acelerar a busca de soluções tão fundamentais à nossa segurança e qualidade de vida.
O tema das chuvas e enchentes sempre envolveu muitas crenças equivocadas que distorcem a realidade e em torno das quais criam-se fakes, não raro para esconder (ir)responsabilidades.
São Pedro é o mandachuva?
“Quem manda chuva é o São Pedro (o mandachuva), um santo muito forte, que até tem a chave do céu”. “Quando há muita chuva ou seca é castigo de Deus”. Deus não deseja castigar ninguém, deu liberdade aos homens e mulheres para cuidarem do Planeta e serem felizes.
Ventos, chuvas, secas, calor e frio fazem parte da natureza. Com a natureza equilibrada, estes eventos também ocorrem de forma equilibrada.
Como sabemos, a natureza foi e está sendo muito desequilibrada, e que é necessário o quanto antes reequilibrá-la com modos adequados de produzir e de viver. Isto é um processo longo e envolve a todos, portanto precisamos nos preparar muito melhor para chuvas, secas, temporais, temperaturas extremas mais seguidas e fortes.
Por que ocorrem os alagamentos?
Como ocorrem as enchentes? Temos que analisar duas situações. Quando a chuva cai sobre uma cidade, ela precisa encontrar uma maneira de ficar retida nas plantas e no solo ou ter um outro caminho para chegar aos arroios e rios e voltar ao mar. Quando este caminho não existe ou está obstruído ocorrem os alagamentos, aguas que ficam paradas e demoram para escoar.
Este caminho chamamos de drenagem urbana e está assim constituído: A água que cai sobre casas, edifícios, fábricas e pátios impermeabilizados são recolhidos e ligados à rede pluvial. A água que cai sobre as ruas também é recolhida nas bocas-de-lobo e enviada á mesma rede pluvial. As ruas precisam ter a forma arredondada para a água escoar em direção ao meio-fio, que funciona como calha. Não raro a altura dos meios-fios é reduzida por acúmulo de asfalto colocado nas manutenções das vias, o que reduz esta calha fazendo a água ocupar as calçadas.
Nas chuvas maiores, num primeiro momento, é normal acumular água sobre as pistas, sendo considerado regular que isto ocorra até a altura do meio-fio. O escoamento a seguir deve ser rápido. Em não sendo, temos obstrução por falta de manutenção das bocas-de-lobo e/ou rede pluvial. O escoamento da água ocorre dos pontos mais altos para os mais baixos, atendendo a lei da gravidade. Quando isto não é possível é necessário realizar o bombeamento através de casas de bombas.
O retorno da água nas bocas-de-lobo pode ocorrer por pressão dentro da canalização, por estar obstruída ou ainda porque o arroio para onde a água devia escoar está num ponto mais elevado, provocando o retorno, pela falta de uma casa de bombas.
Recuperar arroios é fundamental
O elemento mais fundamental da drenagem urbana são os arroios, trecho final antes dos rios, precisam ser dragados permanentemente e ter a sua condição natural recuperada, como componentes fundamentais do meio ambiente urbano.
Prevenir é o melhor remédio. Lixos, especialmente plásticos, não podem estar com água, nem nas canalizações e nem nos arroios e rios. Fazem verdadeiras barreiras e contaminam 30 vezes mais do que o esgoto sanitário. Terra nunca deve estar nua, é arrastada pelas águas para todo o caminho das águas, obstruindo-o.
Uma esponja retém a água em excesso, soltando-a na seca. Daí vem o termo “cidade esponja”, que entre outros recursos usa os banhados, árvores, especialmente como vegetação ciliar junto aos arroios, que são verdadeiras máquinas para reter água, equilibrar o clima e diminuir a poluição e locais que armazenam a água durante o pico das chuvas, conhecidos como bacias de amortecimento, algumas implantadas em Porto Alegre ainda em 1991. Isto tudo precisa ter trabalho permanente de conscientização junto à população com atividades de educação ambiental. E ainda assim são necessários serviços permanentes de desobstruções e recuperação dos arroios. Hoje, quando uma parte destes serviços são contratados, isto provoca manchetes em jornais. Que retrocesso escandaloso!
Outra possibilidade de enchentes é quando rios e arroios ultrapassam seus leitos e invadem áreas urbanas, o que chamamos de inundações, que podem ser evitados com os sistemas de proteção contra cheias. Estes sistemas geralmente são compostos por diques externos ao lado dos rios, diques internos nos lados dos arroios, comportas externas, nos locais onde há necessidade de passar para o outro lado dos diques e comportas internas num nível inferior nas casas de bombas. Quando estas comportas internas das casas de bombas vazam, as águas dos rios retornam pelas canalizações formando “chafarizes” nas bocas-de-lobo. Também neste caso prevenir é o melhor remédio. Áreas inundáveis ainda não ocupadas devem permanecer como áreas verdes. Áreas inundáveis ocupadas devem ser reassentadas para áreas seguras, sendo os locais liberados transformados em áreas verdes ou ter sistemas de proteção contra cheias adequados. E, como tudo na vida, manutenção permanente é essencial, inclusive a dragagem das vias navegáveis.
Concessionária de energia elétrica tem obrigação de atender satisfatoriamente seus consumidores
Energia elétrica é vital em nossas vidas, incluindo o saneamento básico, especialmente os bombeamentos, tanto das águas das chuvas como da captação de águas para tratamento de água tratada e sua distribuição.
As chuvas em si não interrompem a energia elétrica e sim os ventos que colocam em conflito as árvores com a rede elétrica. Uma empresa concessionária de energia elétrica tem obrigação de prover a devida poda dos galhos das árvores, bem como implantar e manter redes robustas capazes de atender satisfatoriamente seus consumidores. Temos isto hoje aqui no RS?
Mesmo assim, em locais essenciais, que não podem sofrer desligamentos, os consumidores precisam ter geração própria.
Os prejuízos decorrentes de alagamentos e inundações, tanto públicos como privados são imensos, inclusive as angústias e outros problemas psicológicos. Os de Maio-24 ainda não foram recuperados totalmente e já estamos acumulando outros com novas chuvas grandes. Evitá-los custa menos do que repará-los.
As defesas Civil precisam ter mais apoio de órgãos públicos e privados e ter um comando centralizado de previsões climáticas e meteorológicas.
Saneamento básico e meio ambiente resolvem com custos menores que os prejuízos
O saneamento básico e o meio ambiente podem prevenir a maioria dos prejuízos decorrentes das cheias. Não há investimento melhor do que o saneamento básico; apenas para citar um dos seus benefícios, a cada real investido poupa-se três Reais em saúde.
Não basta ter e disponibilizar recursos financeiros. É necessário que municípios, que são os titulares do saneamento, estruturem-se melhor, e contem com o apoio estadual e federal.
Os profissionais, universidades, estruturas de pesquisa e empresas privadas locais do setor possuem conhecimentos e capacidades reconhecidos internacionalmente e devem deixar de ser desconsiderados e perseguidos. Isto faz muito mal à sociedade.
Em 1973, o município de Porto Alegre reconheceu a imensa necessidade do DEP. Num retrocesso de 44 anos foi extinto em 2017. Como fez falta antes, durante e depois de maio de 24. Agora, após forte sucateamento do DMAE, “é preciso privatizá-lo em parte”. Se ocorrer, será um retrocesso igual ou pior.
O Estado ficou de providenciar a contratação das obras para as quais a União liberou R$ 6,5 bilhões. Sequer conseguiu obter os projetos de Engenharia. A Metroplan, que cuidava disto, foi extinta.
É possível prevenir os desastres climáticos e ajudar a natureza a recuperar-se, inclusive como investimento público e privado. É necessário vontade e compromisso público.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.