A recente derrota do governo Lula na tentativa de aumentar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em alguns tipos de operações financeiras escancarou a correlação de forças no Congresso Nacional. Em participação no podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, que debateu a luta de classes no debate econômico, político e social, o historiador Valério Arcary, afirmou que o Legislativo “se transformou no órgão da classe dominante”.
Arcary e a economista Juliane Furno analisaram como pautas progressistas têm sido sistematicamente bloqueadas no Congresso. “Puxaram o tapete dele [ministro da Fazenda, Fernando Haddad]”, afirma Arcary sobre a votação que derrubou a proposta do governo, com o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que havia firmado um acordo com o governo. “É uma humilhação. […] A classe dominante disse: ‘Lula não governa mais até 2026’”, critica.
Para ele, esse foi o revés que impulsionou uma reação do governo. “Iniciou-se um movimento inusitado do governo Lula, que foi um pequeno giro à esquerda. Por enquanto é retórico, mas há”, observa. A fala do historiador se refere à mobilização ideológica do PT em favor da justiça tributária, intitulada “Taxação BBB: Bilionários, Bancos e Bets”, com repercussão nas redes sociais e na imprensa.
Nesta quarta-feira (2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levantou um cartaz com a reivindicação “Taxação dos super-ricos!”, durante o cortejo popular do Dois de Julho, dia da Independência do Brasil na Bahia, em Salvador. “Houve uma reviravolta à esquerda pela primeira vez neste ano. Está na ofensiva nas redes sociais”, avalia. Na sua visão, com isso, a esquerda confrontou de maneira inédita a extrema direita em todas as redes sociais, campo dominado pelo espectro conservador. “Eles estão encurralados, sentindo o golpe, porque o que eles estão defendendo é indefensável”, aponta Arcary.
A favor da elite, contra os trabalhadores
Juliane Furno chama atenção para a desconexão histórica entre o Congresso e os interesses populares. “Ele não expressa a composição social da sociedade brasileira. Hoje, é o principal comitê que opera a classe dominante, os donos do poder, os donos da riqueza”, diz.
A economista lembra que esse descompasso já havia sido apontado nas manifestações de 2013 e voltou a aparecer em temas atuais, como o debate sobre a escala 6×1 de trabalho. “Era impensável que uma luta em torno da jornada de trabalho, que nem se chamava redução da jornada de trabalho, fosse ter uma repercussão tão grande”, comentou. Segundo ela, o fato de 70% do Congresso ser contra o fim da jornada extensa mostra como o Legislativo atua.
Furno defende que essas disputas sejam mais debatidas e evidenciadas. “É o tipo de medida, de pesquisa que precisamos evidenciar para contribuir nessa polarização entre o Executivo e o Congresso, e na identificação de quem representam os congressistas brasileiros. Não é a sociedade brasileira, o interesse nacional, mas de uma fração da classe dominante”, indica.
O videocast Três Por Quatro vai ao ar toda quinta-feira, às 11h ao vivo no YouTube e nas principais plataformas de podcasts, como o Spotify.